segunda-feira, janeiro 23, 2006

Transpor a vida de alguém, alguém conhecido de todos, para o teatro, ou mesmo para o cinema, não é coisa fácil. Especialmente se esse alguém é temporalmente próximo de toda uma sociedade. Na verdade um ídolo juvenil. Transformar isso num produto artístico, crível, palatável, contundente, emocionante definitivamente não é tarefa fácil.
Obras como "Cazuza - O tempo não pára" demonstram bem essa dificuldade. Com a interferência e a proximidade completa da família do músico, o filme demonstram um envolvimento tão intenso com o artista que não conseguem apresentar nuances do homem, que mais do que genial, também tem incongruências, diferenças, comportamentos que oferecem altos e baixos do indivíduo.
O homem Cazuza é transformado num ser genial, adorável, com excessos absolutamente charmosos. Os demais personagens não têm força dramática, são tolos, risonhos e só servem de contraponto para Cazuza destilar a sua genialidade.
O que salva o filme: a recordação de uma época que está gravada na memória de muitos brasileiros, os anos 80 e a atuação brilhante e visceral de Daniel Oliveira.
Na montagem local da biografia de Raul Seixas, as semelhanças são várias e imensas. Com o roteiro escrito pelo irmão do roqueiro, Plínio Seixas, a peça traz aspectos positivos como a intimidade e as histórias de infância, que mostram um interessante retrato do menino Raulzito, mas por outro lado não oferece distanciamento e olhar crítico sobre aquele homem. Gestos grandes, pulos e exclamações dão conta da alma de um ser conturbado, que transitou entre tantos lados. Magia, drogas, parcerias, amores, divergências, discussões, tudo isso fica superficializado, passa em cena de forma tão epidérmica, que mal se observam.
Em momento algum, a peça evoca a transgressão, a agressividade e a metamorfose ambulante de Raul. Enquadrada num formato um tanto tradicional e óbvio, a peça como o filme de Cazuza se constitui num retrato chapa-branca de um artista nada chapa branca.
A atuação brilhante de Nelito Reis confere força e alguma verdade a peça, que mais se aproxima de um pastiche do que de um retrato de um indivíduo. Esposas sempre grandiloquentes, tipificadas pareciam todas uma coisa só. Marcelo Nova surge tão gozado, que não se percebe se se trata de Marceleza ou uma imitação de Roberto Carlos "bichooo".
A direção de Deolindo Checucci repete movimentações e disposições que funcionaram bem em Vôo da Asa Branca, primeira montagem sua voltada para biografia musical de um artista brasileiro. Tudo é meio cômico, o que poderia ser bom, mas na verdade se mostra frágil, não conferindo força às cenas que requisitam carga dramática como a passeata da ditadura e as separações de Raul.
A entrada de ratinhos em cena é cômica, mas não divertida. Na verdade, promove um choque.
O que isto está fazendo aqui? pode-se perguntar o espectador.
Bem, o público se envolve, se diverte. Por um lado, a peça alcança o espectador. Um mérito formidável da atuação do protagonista, mas também do clima musical. A intimidade que a obra de Raul tem com o público transporta os muros técnicos da montagem, deixando num segundo plano as incoerências e incongruências do espetáculo.