sexta-feira, junho 02, 2006

Cartas com seriedade


Fui ontem à noite assistir "Cartas de um pirata", solo do ator paulista Vinícius Piedade, produzido dentro do projeto Solos Brazil, coordenado por Denise Stoklos. Me interessava a possibilidade de ver uma outra versão de um curso que tive oportunidade conhecer a técnica e experimentar construir um produto final. Há quase dois anos, vivi uma experiência criativa semelhante e enfim, queria conhecer outro resultado nessa linha.
E lá vi um trabalho bem acabado, absolutamente inserido na proposta de Teatro Essencial. Técnica de mímica aplicada com rigor e qualidade, corpo solto, bem coordenado e explorando máximas e múltiplas possibilidades. Bom trabalho vocal, experimentando repetições, novas vozes, fragmento da palavra.
O texto descontínuo e fragmentado contava, sem ter o compromisso de narrar, a história de um pirata que escrevia cartas para sua mãe. Com indas, vindas, paradas, hiatos, o ator explorou as máximas possibilidades disponíveis para romper com uma estrutura linear de narrativa.
O próprio ambiente do teatro era dissecado, quebrado qualquer compromisso com ilusão, aura. O pacto em cena era o da desconstrução.
Mas mesmo diante de tanto aparato e apuro técnico, todos esses detalhes me chegaram muito bem aos olhos, mas não foram o objeto de minha maior atenção. Não, não foi.
Sou séria, vocês sabem. Procuro escrever com seriedade e sensibilidade. Então, esse é o meu exercício aqui. Mas o fato foi que ali, naquela terceira, quarta fileira do Theatro XVIII, quando um foco de luz acendeu sobre os cabelos castanhos do ator, para mim estava posto o espetáculo. O espetáculo sim era a beleza do ator em cena. Não ele não tinha adornos, nem nada excessivo que chamasse o foco para além do devido. Dentro de uma estética próxima do princípio de Teatro Pobre, de ator pleno no palco, lançando mão de cenário, elementos de cena e recursos para além de seu próprio corpo e técnica, ele era a peça ainda que parado. Ainda que silencioso, com uma luz âmbar a 20 % acesa sobre si, ele já seria o espetáculo.
Juro, estou sendo séria!
Nunca havia ficado apaixonada por um ator em cena e ontem se deu isso. E com toda a seriedade, digo que nunca me atentara para o valor que a beleza física tem quando posta em cena, ainda mais sem adornos, sem outros preenchimentos. Ela é o suficiente para preencher o espaço cênico.
E mais uma vez, repito! Estou sendo séria...