terça-feira, junho 05, 2007

Comentário Extemporâneo I

Ora pois pois, o blog andou pouco ativo. Um tanto às moscas. Andei andando ocupada. Pouco paciente. Mas cá estou. Tentando correr atrás do tempo e falar de duas montagens que chamaram a minha atenção nesse primeiro semestre de 2007, mas também para falar do acontecimento teatral que é a entrega do Prêmio Braskem de Teatro.
Serei breve. O assunto já passou da hora.
Na verdade, isso aqui consistirá numa nota autoral e que apenas deseja pontuar o particular momento político-cultural que vive a Bahia. Num ano de poucas produções de orçamento mais alto e sem os nomes consagrados do teatro baiano em cena, abre-se o espaço para aqueles que estão batalhando, mas sem as condições ideais de produção e para os muitos que começam a colocar seus tijoloes e pedras na cena teatral soteropolitana.
Caras jovens, peças sem patrocínio, diretores pouco conhecidos, montagens didáticas tiveram seu espaço e respectivos holofotes na festa. Discussos inflamados. Ansiedade de mudança na história desse teatro, que não, não é fácil nem para os sem, nem para os com prestígio e recursos financeiros.
Que não se engane. Novo governo. Nova Secretaria de Cultura. A premiação do Braskem expressa um novo tempo, mas também uma premiação que busca uma consonância com a nova atmosfera política.
Que para 2008, mais tenham condição de fazer teatro. Mais possam viver dignamente de sua arte. Mais público possa assistir e saber o que se passa. E que a premiação possa ser não só política, mas cada vez mais reflexão sobre a arte e a qualidade da produção artística. Espaço no palco para todos.


PS: destaque para o espetáculo da premiação, assinado por Guerreiro. Belo trabalho, que conseguiu com ritmo e beleza mostrar as várias faces da cena cultural baiana.

Comentário Extemporâneo II

Não escrevi na época sobre esses dois espetáculos. Peço desculpas porém, mas enfim, tempo tempo mano velho faltou-me. Como a vontade não, chegou aqui meio extemporânea para fazer comentários brevíssimos sobre Velosidade Máxima e Shopping and Fucking.

Velosidade Máxima
Fábio Vidal parece ter levado às últimas consequências a sua pesquisa iniciada com o fabuloso "Seu Bonfim", há seis anos atrás. Construindo uma poética própria, que parte da performance, do teatro essencial, da mímica corporal dramática e compreensão do ator como ponto chave para todo o processo da criação cênica. Ator intérprete, ator diretor/encenador, ator dramaturgo, ator coreógrafo. E no que se refere à Bahia, ator produtor.
A poética criada por Vidal dessa vez se debruçou na obra de Caetano Veloso, leonino de Santo Amaro. Homem fábrica de espelhos para si. Mas também para tantos outros brasis. A partir de um exaustivo trabalho de pesquisa criativa e acadêmica (Velosidade Máxima integra o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia), constituiu-se um espetáculo singular na própria cena teatral soteropolitana, mas também singular como um olhar sobre aquilo que pode se chamar velosidade.
O eu, a música, a poesia, a verborragia, o corpo, o cabelo, a malícia, a poética de Veloso são matéria para Vidal que constrói um verdadeiro acontecimento cênico na Ladeira da Misericórdia. Dentro da proposta estética do working in progress (trabalhando em processo, numa tradução literal), o ator-diretor-dramaturgo-coreógrafo apresenta para o público um espetáculo inacabado e que se constrói a cada dia de apresentação. A partir da construção e sedimentação de um roteiro e elementos, o intérprete se vê livre para a cada dia desmontar e remontar a performance, que está definitivamente aberta.
O trabalho solo de Fábio Vidal esteve aberto a intervenções planejadas de outros atores, performers, bailarinos e seres pensantes sobre arte, delírio, velosidade. Bebendo na estética do sonho de Glauber Rocha, o criador possibilitou que outros também criassem e intervissem dentro de sua obra. Sonhos dentro de sonhos.
Velosidade pode ser então um delírio de janeiro.


Shopping and Fucking

Ok, baby, o texto pode ser americanizado. Tudo pode cheirar a Mc Donalds. Vez em quando há a sensação de que estamos num filme de Tarantino. Ainda que não haja a paisagem de um deserto do Texas ao fundo, aquele longo sedan remete a um posto de gasolina empoeirado da Texaco. Ok, baby, estamos na soterópolis. Provinciana ainda, menos selvagem (será?), com alguma moral e um tanto de tradições.
Porém, nada disso invalida a força da montagem Shopping and Fucking, que esteve em cartaz de março a maio no Teatro Moliére. Com direção de Fernando Guerreiro e texto de Mark Ravenhill, a peça desnovela a história de jovens absolutamente emersos numa sociedade de consumo, trocas capitais e hedonismo. O prazer e o vazio justificam tudo. A ética ou qualquer moral se esfacelam mais rápido que restos de salgadinhos Elma Chips.
As drogas mantém-os vivos. E a civilização é dinheiro.
Guerreiro conseguiu construir um espetáculo extremamente cinematográfico, contudo não se enveredando pelas searas do realismo/naturalismo própriamente. A realidade selvagem e diametralmente blazé da peça se descortina com elementos teatrais bem pontuados, como a iluminação e a sonorização, que remetem a jogos pinball ou mesmo programas de auditório. As moedinhas caem nos cofres e as luzes cegam os olhos. Elemento importante na encenação "cinematográfica" do texto é a natureza das atuações, que ganharam um tom cotidiano e extremamente. As boas interpretações chamam atenção para o elenco, especialmente para Jussilene Santanna, que interpreta com louvor a aspirante a atriz, modelo e vigarista completa Lulu e para Celso Júnior, cruelmente impagável como Brian, o traficante.
Crueldade e uma rigorosa valorização do texto também dão o tom da montagem, que pode causar estranhamento e antipatia para muitos espectadores, por se passar num universo americano. Mas também pode parecer extremamente próxima e contextualizada para os mais abertos. Nada daquilo pode parecer distante. Drogas, sexo, violência, vício, futilidade, consumo, vazio, compras, espetáculo. Isso é estranho para alguém?