sexta-feira, novembro 07, 2008

Comentário sobre Hysteria, da Cia XIX

Certamente o casarão que abrigou o Instituto Feminino da Bahia, escola das moças de fino trato da burguesia soteropolitana do século XIX, é o lugar mais apropriado da cidade para abrigar o espetáculo Hysteria, do Grupo XIX, companhia paulista de teatro especializada em montagens de olhar histórico sobre a vida privada brasileira. A peça, que já tem sete anos de estrada e é a primeira do repertógio da trupe, faz um resgate da vida de cinco mulheres acometidas de histeria e internadas no Hospício Carioca, também chamado de Praia Vermelha.

O clima de repressão sexual, tônica da doença esmiuçada e estudada pela nascente Psicanálise, é a tônica de toda a peça, com respiração bastante própria no prédio escolhido, que restringia seu trânsito às mulheres. Assim, respeitando o espírito da época, o público masculino sobe na frente das mulheres, ficando em sala de espera distinta. Mais tarde, as mulheres sobem e ficam numa sala a parte, no caso das apresentações em Salvador, na capela do colégio. Ao chegarem no salão onde se dá o espaço cênico, os homens já estão posicionados, numa platéia bem montada e afastada das mulheres. Eles estão numa pequena arquibancada e de lá, assistirão distanciados às cenas.

A peça é encenada apenas durante o dia, por volta do fim da tarde, perto do cair do sol - exatamente quando a peça finda. Sem nenhum recurso de iluminação elétrica ou artificial, peça se vale da luz do sol, assim como se valiam as mulheres daquele tempo. As vestes em tons bege e salmon se mostram envelhecidas, também antigas. As atrizes parecem fantasmas de outro tempo, tamanho a realidade que se tornam seja pelo tom da voz e ritmo da fala próprio de uma outra época, seja pelo ritmo que a peça imprime, seja pelo figurino, sem nenhuma pompa, quase desbotado, seja pelo próprio lugar, que foge de qualquer artificialismo próprio ao teatro. Os artifícios e escolhas do espetáculo, de criação coletiva, presentificam aquelas histórias junto com as novas que ali serão contadas.

Já ao redor do espaço cênico, em cadeiras ou sentadas ao chão, sentaram as mulheres do público, que a partir desse momento, deixam de ser público e passam a ser tratadas como internas e acometidas do mal da histeria. A interação com as mulheres permeia a todo espetáculo. A história contada em cena deixa de ser a das cinco personagens apenas, mas também daquelas com quem as atrizes contracenam. Essa aproximação entre atores e público não só irrompe numa interatividade, mas especialmente, na estruturação de uma dramaturgia que completa seu sentido a cada apresentação. As experiências das mulheres do público contribuem como fio condutor da narrativa das mulheres.
Extremamente brancas e pálidas, as personagens denotam seu tom embalsamado, empoeirado, mas também porcelana. As bonecas de uma época que talvez hoje, objetificadas teriam cor tostada de carne, exposta para ser degustada. Se no passado, as mulheres eram louça fina, hoje somos comida quanto mais farta melhor: filé, bunda, morango, melancia.
Nos sonhos esfacelados, gritos suprimidos, julgamentos, opressões, vozes embargadas, as histórias delas atualizam as nossas. Para quem acredita que a emancipação plena da mulher já se deu e que o feminismo é arqueologia, Hysteria mostra no contato com o público atual, nas emoções que sucita que nossas vozes ainda se fazem roucas e poucos dos nossos gemidos são de gozo.
Entre as histórias, o caso de uma menina orfã, deixada na antiga roda, que guardava a vergonha das brancas que "perderam a sua honra" e que adulta ainda se comportava como menina: que destino ela podia ter, se era só e com ninguém seria digna de casar? Melhor então o refúgio da infância e a espera do noivo Jesus, que certamente, nunca viria. A mulher que sempre fora calada e cuja voz sua família nunca aguardara ouvir, passivamente, como era de sua natureza, contava sua história na medida em que ia dialogando com uma espectadora mais velha, estrategicamente sentada ao seu lado. Talvez, momento dos mais difíceis, a escolha da mulher mais velha sentada ao seu lado, revela que os sonhos, embora séculos diferentes ainda são os mesmos e as repressões e opressões não se dão de tão longe. De voz altiva e grave, havia entre elas uma mulher de consciência política, que aguardava após a libertação (virá que eu vi...) do povo negro, a libertação das mulheres. Seu dom da poesia, alma questionadora e volúpia no corpo foram a justificativa da sua internação. Talvez a loucura seja o destino daqueles que têm dúvidas e questionam...por fim, a história da mais sexual de todas, que permitiu viver uma liberdade sexual, ainda pouco bem vista em nosso tempo. Ainda nas rodas modernas, mulher que se deita com quem quer, quando quer, ainda é chamada de puta. Quem dirá em 1800 e fumacinha...
Todas elas, assim como o próprio público eram vigiadas atentamente pela enfermeira, altiva, repressora, cuja voz causa calafrios. Contudo, aquela própria mulher, a serviço do poder dos homens, também tem seu útero, também tem seus calores, também tem seus desejos e este é o grande peso da peça. Mesmo as que servem a um outro poder, são vítimas dele - algozes talvez de sua própria dor.
Hysteria dosa o dolorido com o riso. Coloca os homens como espectadores sérios, distanciados, de um mundo que eles conhecem pouco, mas interferem muito. Como o próprio programa da peça afirma a história das mulheres não é a história somente delas: suas vozes roucas contam a história de seus homens, seus filhos, uma cultura, uma repressão. Hysteria é sem dúvidas um espetáculo necessário para homens e mulheres. Para pensar no nosso tempo, a partir da história das que foram. Qual é a doença de nossa geração, meninas? Somos mesmo donas do nossos corpos? Somos tão livres? Tão libertas? Ou nossa liberdade também não faz parte da liberdade do mercado...de tudo aquilo que está a venda a qualquer preço...
Perguntas...


terça-feira, novembro 04, 2008

2008 pode ser considerado como um ano dos mais interessantes para o fomento das Artes Cênicas no estado. Apesar da produção ter sido um pouco mais fria, com um menor número de estréias, este vem se configurando como um ano ímpar na circulação de espetáculos e realização de festivais. Ao todo, no estado até o fim do ano somam-se 21 festivais, no quais artistas baianos trocam experiências e acessam a montagens de outros cantos do país, quanto do mundo. Salvador sediou três festivais que movimentaram a cena local: Festival Latino-Americano de Teatro, Festival Lusófano de Teatro e o Festival Internacional de Artes Cênicas, que oportunizaram momentos significativos de troca e acesso a outras dramaturgias. Também foi possível proporcionar que os artistas baianos pudessem mostrar seus trabalhos a públicos diferenciados.
Nesse contexto, é que surge o Festival Internacional de Artes Cênicas, que durante os dias 24 a 31 de outubro reuniu um interessante grupo de espetáculos baianos, nacionais e internacionais, misturando um tanto das principais tendências das artes cênicas na contemporaneidade. Além disso, o evento proporcionou atualização da classe artística ao trazer oficinas com profissionais experientes e grupos envolvidos nos espetáculos em cartaz. Esse caráter de reciclagem pode provocar uma nova respiração na cena teatral na cidade, mas também do estado, que recebe estímulos para criação, encontra pares, se reflete.
Assim, estiveram reunidos em uma semana, espetáculos baianos, brasileiros e de países como França, Portugal, Noruega. Também foi possível, ver aplicada em cena as teorias teatrais de Peter Brook, encenador referência nas artes cênicas do século XX. No palco, foi possível verificar os rumos atuais de um teatro cada vez mais da palavra fragmentada, que cede lugar a outros elementos, especialmente a fisicalização. A contradição, a ironia e o pastiche também dão o tom da cena em trabalhos como O Grande Criador, da Companhia do Chapitô, de Portugal. O que também ocorre em Melodrama, uma das montagens da Cia dos Atores, do Rio de Janeiro, que envereda por reconstruir a atmosfera kistch das novelas e programas de rádio.
Outro dado foi a forma delicada ou bem humorada que os trabalhos participantes tiveram para se afirmar politicamente. O trabalho dos portugueses, além de satirizar passagens bíblicas, faz boas referências aos momento atual, relação com países como EUA e as crises econômicas, de valores e culturas. A temática da homofobia foi tratada de forma sensível em Aqueles Dois, enquanto que a repressão sexual e as questões que afetam o feminino são matéria de Hysteria, um dos grandes destaques do Festival.
Da cena baiana, bons trabalhos deram conta de mostrar o que vem sendo produzido na Soterópolis. A montagem Triste fim de Policarpo Quaresma levou à frente a discussão em torno da brasilidade. Já Deus Danado, um dos trabalhos mais interessantes dos últimos anos, deu conta de discutir a humanidade e suas relações, a partir de um olhar nordestino e precário. O sotaque baiano em Shakespeare é a marca da montagem Sonho de uma noite de verão, do Bando de Teatro Olodum, em momento de franca projeção nacional. Já o grupo Dimenti, um dos mais ativos da cidade, levou à cena sua última obra Batata!, sobre o universo nelsonrodrigueano.
O FIAC também foi ponto de encontros e festas, reunindo a classe artística e o público, em shows que vararam a madrugada, na praça Tereza Batista. No palco, os grupos mais pulsantes da cidade como Lampirônicos, Retrofoguetes, Afro Batá, Juliana Ribeiro e a Quadra de Samba, A Volante do Sargente Bezerra entre outros.
No mais, saldo positivo ao festival, realizado com profissionalismo e oportunizando acesso a cultura, com qualidade e preços populares. Vida longa ao Festival. Boas inspirações para as artes cênicas na Bahia.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Comentário sobre AQUELES DOIS

A Cia. Luna Lunera decidiu transpor para a linguagem do teatro o conto Aqueles Dois, do gaucho Caio Fernando Abreu, integrante do livro Morangos Mofados, um dos mais importantes da década de oitenta. Para o palco, os atores recriaram a atmosfera do autor, a tessitura de sua escrita encarnada nos corpos, nas disposições, na palavra revivida, mas também em referências de uma época, seja musicalmente falando com citações de Ângela Ro-ro-ro, Cazuza, Gal Costa, seja resgatando as velhas máquinas de escrever, as formas das luminárias, a memória de filmes antigos.

A montagem de Aqueles Dois transpõe para a cena a dúbia atmosfera de amizade e amor dos personagens Saul e Raul, jovens promissores, admitidos numa repartição. Naquele que era um deserto de almas, como bem define Abreu, aquelas duas almas igualmente especiais se encontraram, se conheceram e ganharam intimidade. Um do Norte, outro do Sul, ambos eram pessoas sós e estrangeiras na grande São Paulo, onde encobertos pelo cinza, nunca se sentiram em casa – exceto até o encontro de um com o outro. Caio convoca então a uma amizade cheia de descobertas, de encontros e Saul e Raul, cujo nome se confunde, facilmente poderiam reconhecer um como se fosse o outro, quase como um espelho. As semelhanças constituíram a liga daquela amizade, que logo causaria estranhamento e desconfiança nos colegas, tipicamente conservadores e como tal, homófobos.

Ao entrar na sala de espetáculos, o público se depara com um tatame como palco. Em volta dele, a delimitação do espaço cênico, com máquinas de datilografar, luminárias de mesa, livros, gavetas, discos, aparelhos de som. Os atores já estão em cena, movimentando-se e fazendo exercícios de contato-improvisação (técnica de dança na qual os corpos se tocam num ponto, desencadeando movimentos a partir daquele encontro). As partituras físicas demonstravam encontros e contrapesos. Encontros, abraços e tensões. Encontro físico, vontades de ir para outras direções. Um dos atores, controlava a entrada do público, bem como lia trechos de cartas de Caio Fernando Abreu.

Os discos, as músicas serviam não só para relembrar uma época, mas respirar o espírito de Caio, mas também montar as identidades dos dois personagens. Por outro lado, toda aquela identidade evoca ícones brasileiros fundamentais para cena gay, que tem como inspirações artistas como Maria Betânia, Cazuza, entre outros dos muitos citados. Essa identificação tanto aproxima de uma atmosfera, quando inicia uma pergunta dúbia sobre o que seriam aqueles dois.

Os quatro atores em cena dividem-se e multiplicam-se na tarefa de viver Raul e Saul, mas também outros trabalhadores da repartição. Conseguem entre si criar um nivelamento na interpretação, onde todos tornam-se parecidos, todos mantém uma unidade e alinhamento na representação daqueles dois personagens. Ao mesmo tempo em que os quatro são dois, a integração dos atores promove que os quatro, sejam dois e sejam um – como assim é o encontro maravilhado de duas pessoas igualmente especiais, igualmente semelhantes, seja em gostos, sejam em gênero. Raul e Saul, como a escolha de seus nomes já indicam, são um Narciso ensimesmado diante do espelho, apaixonado por si mesmo.

A passagem de tempo na peça é trabalhada de forma criativa: o número de vezes, que os personagens vão tomando café, revelam a maior intimidade que vão ganhando, enquanto que as sucessões de bom final de semana, demonstravam a falta de novidade e tédio daquele ambiente de trabalho: um ambiente onde as quermesses, falatórios, olhares, festinhas e rifas serviam como quebra da mediocridade reinante. Eles mostravam-se então diferentes, mais bonitos e interessados em suas solidões.

A peça acerta na adaptação, misturando momentos de ação propriamente dita, com a narração e o apoio na palavra do conto de Caio Fernando Abreu – esse trânsito entre a ação dos atores e a narração do conto se mostram como um deleite, repensando algumas cenas já vividas na própria encenação, lançando mais luz sobre a amizade daqueles dois.

A imagem e a palavra casam com felicidade em alguns momentos. O abraço de reencontro dos amigos, após a perda da mãe de um deles. Os corpos nus em meia luz – luz essa que reflete a tensão do desejo e vergonha de ambos, por estarem desnudos um diante do outro – com a escuridão cortada pela brasa dos cigarros acesos. Por fim, os muitos desenhos feitos por Saul, os grandes olhos sem iris, citados no conto, que aqui ressignificados se mostram como os colegas homófobos atrasados e eternamente presos às suas mentalidades e preconceitos. O tom expressionista dos desenhos reforçaram a palavra de Caio, de que aqueles, ao verem Saul e Raul saindo de cabeça erguida da empresa, rumando num carro juntos, sabe-se lá para que provável ou improvável destino, para sempre seriam infelizes na sua mesquinhez.

Aqueles Dois é um sensível espetáculo político, que de forma delicada e doce faz pensar sobre a homofobia, sobre os valores e preconceitos. Mas também, é um doce retrato da obra de um autor marcado por uma década, por um tempo, querido e maldito para alguns. Uma fábula cotidiana da amizade dos personagens, mas também do grupo, que dedica o espetáculo aos amigos, a alguém querido.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Por Elise: se envolver ou não, eis a questão


Um dos espetáculos mais aguardados no Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia foi Por Elise, do Grupo Espanca!, de Belo Horizonte (MG). A primeira montagem da trupe vem caindo nas graças do público e crítica desde 2005, quando de sua estréia. De lá para cá, acumulou os prêmios da APCA, na categoria Dramaturgia e Shell de Teatro de São Paulo, em 2006. No palco, cinco atores: Grace Passô, Gustavo Bones, Marcelo Azevedo, Paulo Castro e Samira Ávila.

De uma completa escuridão surge o tronco de um homem, que desenha movimentos no ar. Ao fundo, palavras se inscrevem no fundo do palco, como projeções de um vídeo. "Eu vou cuidar do seu jardim". O palco nu muito escuro propiciava que aquele homem dançasse numa profunda solidão e com os olhos no horizonte. Outros atores entram em cena, olhos também no horizonte. Uma mulher de vermelho. Um homem vestido de espuma. Um jovem vestido de moletom. Um lixeiro. A luz muito escura, os reveste na escuridão solitária.

Quando, então, surge no canto esquerdo uma mulher, de vestes de dona de casa e fala segura. Ela diz contar histórias. Vir ali para contar histórias, para falar de muitos, das esquisitices e incongruências do mundo. Como a dela, de um dia ter plantado um abacateiro cujo crescimento fugiu ao seu controle: ele alça as alturas e atemoriza por derrubar grandes abacates a todo momento. Por conta disso, a mulher vive sobressaltada olhando para o alto. Eis então que surge uma das frases núcleo do espetáculo: cuidado com o que você planta, porque pode fugir ao seu controle. Mais uma recomendação ao espectador, aos atores ao lado: não precisa se envolver com tudo. No palco, não é preciso se envolver, existem técnicas, recursos, treinamento. Não precisa se envolver - o não envolvimento impede sofrimento. Cuidado. Mas ela mesma lança um paradoxo: mas não tem jeito, gente se envolve com tudo, gente sente, gente viva sente.

As frases ditas pela personagem são fortes firmes. Quase que como conceitos ditos sob olhos faiscantes e firmes da atriz, que também dirige e assina a dramaturgia do espetáculo, Grace Passô. Com poucos movimentos, mas inteireza na palavra, a atriz ganha o espectador com a clareza com a que afirma suas idéias, suas metáforas. Metáforas transformadas em abacates e jardins. Sem dúvidas, a propriedade da autora/atriz retira da poesia a pompa que lhe parece ser própria na boca dos atores. A palavra-poética-dramatúrgica se faz palavra-orientação, palavra dita. Objetivamente poética.

A moça de vermelho se encontra com o lixeiro e lança-se na aventura de correr. Correr para conhecê-lo, correr para encontrá-lo, correr para fugir de si, da sua solidão do sacrifício do seu cachorro. Nas corridas, o encontro e o encanto - ele tinha alguma espécie de alegria, que por hora ela não detinha. E ele corria, corria, corria pelo ofício, corria pelo sonho de ver o mar. Era então, a metáfora do forte cavalo alado a caminho do mar. Força que ela clama e se identifica no fim do espetáculo, sozinha no palco negro vestida em vermelho: eu sou um cavalo vermelho correndo a caminho do mar. Embora o encontro, o encanto, a identificação, o beijo não se fez concreto ou possível - ele estava sujo.

Há ainda o homem vestido em espuma, cuja função é sacrificar animais. Vestido de espuma ele não sente. Para o bem, para o mal. Vestido de espuma ele não corre riscos, ele não se envolve, por isso, sem pena, sacrifica. Sacrifica em nome do seu sonho: ir para o Japão. Ele também se encontra com o lixeiro, que o toca sem tocar, apenas com as perguntas: você tem religião? você não sente? Então, com palmas, ele meio que desabroxa o gelo que há em si e canta pelo cuidado do seu jardim. Onde está Deus?

O rapaz que corre, corre para o encontro de sua história, para descobrir os rumos do seu pai, que saira para comprar cigarros e nunca mais voltara. Encontro que não fora possível. A dona de casa conhecera o pai do rapaz, remete a sua despedida e a um possível amor do pai pelo filho. Para não destroçar a esperança e sentido de vida do rapaz, ela fala então de carinhos e pensamentos do falecido para seu filho. Embora decepcionado com o desencontro, com a espera, com a solidão, com a frustração, ele chora, mas volta a correr.

Então o homem de espuma encontra a dona do cachorro, que fugia intensamente desse encontro. Ao encontrar a dor daquela mulher em perder seu companheiro, único companheiro, ele inevitavelmente se envolve. Eis o paradoxo. O cão é humanizado num dos atores, que desempenha com muito valor, aproximando-se da fisicalidade do cão, do seu temperamento, das reações e olhares. Sem dúvidas, uma das interpretações que mais chamam a atenção no espetáculo, bem como emocionam. Como tirar a vida de um animal que garantia a vida de outra pessoa.

Por Elise, então, desenha o seu paradoxo, a contradição do nosso tempo: envolver-se ou não. Será preciso envolver-se? Para que? Temos as técnicas, as tecnologias, os saberes, os conhecimentos, conhecendo mais sofre-se menos. Mas gente sente. Mesmo que não queira, mesmo que não saiba, que não tenha consciência. Optando por um palco nu, vazio, preciso, desprovido de elementos de cena (além dos abacates), a encenação preenche o vazio com o movimento, com a palavra. Com a repetição agregadora, com a volta do texto ressignificado, questionado, revisto quase que dialeticamente.

A espuma que reveste o homem impede de acordá-lo. Por Elise se faz então como busca de penetrar nos corpos vestidos de espuma. E o faz. Ainda que se saiba estar diante de uma fábula, mas uma fábula que diz de um cotidiano, de solidões, de incertezas, de contradições. Cuidado com o que planta: que o envolvimento não paralise, que a fuga do envolvimento não engane.
Por Elise se lança como um espetáculo de silêncios e sons, de escuros e vermelhos. De uma solidão preenchida por personagens que existem por si só, às vezes sem um passado, às vezes com um presente suspenso. Personagens metáforas que transitam entre os abacates. Abacateiros de metáfora e de envolvimentos.

sexta-feira, junho 06, 2008

Exercício de Olhar para O Olhar Inventa o Mundo

Leitores do blog que vos fala. Compartilho um texto produzido para a Disciplina "Teorias do Espetáculo", do Mestrado em Artes Cênicas da Escola de Teatro da UFBA, ministrada pelo Prof. Cláudio Cajaíba. Bem, explico porque esse texto vai numa linha de referências acadêmicas e consiste num exercício para o curso. Assim, caso haja qualquer estranhamento, já está sendo feita a delimitação.
Fruam e comentem.
Mônica


Sentei-me na primeira fileira do canto direito do palco principal do Teatro Vila Velha e esperei o tempo da campainha marcar o início do espetáculo, O Olhar Inventa o Mundo, com direção de Felipe Assis. A montagem nasceu das poesias em prosa de Cacilda Povoas, que também assina o roteiro cênico ao lado do diretor. Já munida dessas informações, minha expectativa era então estar diante de uma obra sensível e com o compromisso com a palavra.

Um tecido branco vinha do urdimento do teatro até o tablado. Uma risca de giz cruzava o palco. O público dividia-se em dois paredões paralelos, separados pela cena. Dado o sinal, vem o primeiro ator, que como os demais, vestia-se de tons cinzas. O texto, como esperado, já demonstrava a sua indissociável relação com a poesia. Na seqüência, outros atores desempenhando movimentos e partituras físicas.

A maquiagem, assinada por Luiz Santana, transitava entre a neutralidade nos homens e traços mais exagerados entre as mulheres. Criado por Rino Carvalho, o figurino base cinza trazia formas variadas para as mulheres, trazendo movimento para algumas, simplicidade para outras, mas também sensualidade.

As cenas foram assim se dividindo em blocos, demarcados por ambientações diferentes, não propriamente em atos, mas talvez mais propriamente por capítulos. Elementos de cena faziam rápidas evoluções e partiam, não havendo uma cenografia permanente. Os objetos se mostravam assim voláteis, como a bicicleta rosa que cruza a cena, como as bacias onde os atores se posicionam e movimentam, como o muro sobre rodas, no qual são projetados textos e imagens.

Os atores desencadeiam diversas ações físicas, que transitam entre gestos naturalistas e a poesia que se desenha no corpo, incorrendo o risco dessa ser chamada de dança (sem nenhum demérito, mas evitando qualquer confusão conceitual).

Um novo figurino surge: as palavras estão escritas nos corpos, em tecidos leves. Nos dedos anéis, unhas vermelhas: signos de feminilidade. O vídeo, como o giz, inscreve palavras, imagens meio soltas, cujo significado poderiam ser completados com os entendimentos.

Embora houvessem elementos comuns: o feminino, o movimento, a leveza, os encontros, o bordado, a cidade, o domingo, a cidade, o fragmento é a maior tônica. As imagens se constroem e desconstroem em velocidade rápidas, muitas vezes tornando-se impalpáveis.

Do urdimento, folhas de papel caem. Palavras chovem, demarcam todo o palco. Um novo capítulo para a palavra concretizada. Um guarda-chuva sem forro: como não se houvesse como fugir da linguagem – ela está por todos os lados.

Como o nome da peça já delimita: o olhar, o sentido e a compreensão são invenções e naquele espaço, cabe a subjetividade do espectador inventa-la. Tarefa nem sempre fácil, nem sempre obvia. Ainda mais na arte do teatro, cuja imagem é discurso, nem sempre a amplitude da poesia.

Na saída do espetáculo, fui a um café, com amigas atrizes. Em todas, um incômodo: “imagens muito bonitas, mas faltou me dizer algo” ou “era fragmentado demais”. Bem, para discorrer sobre esses comentários-provocações, vou recorrer a alguns autores.

As teorias – Na origem grega do termo Teatro, encontramos uma espécie de diálogo com o nome da peça: lugar onde se vê. Também entre os gregos, está a delimitação da tônica do teatro: a ação, a presentificação dos acontecimentos. O diálogo ou a dialogicidade são também tônicas da linguagem teatral, que embora tenha no monólogo um recurso bastante utilizado, o conflito é um cerne quase que irrefutável.

Ainda que no século passado, muitos dos postulados foram implodidos com a modernidade, a expectativa de qualquer público, mesmo sendo ele de fazedores de teatro, é deparar-se com a ação, o conflito, o diálogo, situações problema. A ausência da ação causa sempre uma sensação de se estar diante de uma outra arte: artes plásticas, a performance (em seu sentido mais ligado à instalação), a dança.

O Olhar Inventa o Mundo faz seu pacto com a poesia, que naturalmente está mais próxima música, da pintura, por não necessariamente ser da esfera do discurso, embora seja a palavra a sua matéria prima. Em seu ensaio, A Escultura do Sentido, Monclar Valverde bem define o papel da poesia: “Ela é, antes, o conjunto possível dos exercícios poéticos perpetrados, ao longo do tempo, por esses seres de carbono dotados de angústia: e seu corpo palpável e visível a olho nu não é senão esse tecido material-i-material de palavras lavradas no silêncio. Mas isto a que chamamos 'palavras' é apenas o suporte físico de seu "corpo"; do mesmo modo que isto a que chamamos "silêncios" - pontuações da estratégia discursiva ou do léxico - não chega ainda a ser o próprio silêncio. O Corpo da palavra, seu in-vestimento, é a interminável escultura do sentido, a re-presença do 'real' na cena da linguagem, a encenação contínua deste processo de presentificação que dá vida a tudo o que existe no âmbito da cultura”.

E a realidade própria dessa obra de arte é travar essa aliança com a poesia. E como tão bem define Valverde, “as palavras não têm a natureza das 'coisas', do 'espaço' ou do 'tempo'. Elas têm a dimensão simbólica das condições de possibilidade das 'coisas', do 'espaço' e do 'tempo'; estruturas que fazem, das relações e perspectivas que constituem o mundo, um 'objeto' em movimento”. Está posto então o desafio para o espetáculo, que se lança numa seara sempre difícil para o teatro, ou seja, incorporar elementos que muitas vezes contrariam pressupostos de sua linguagem. Ou seja, a ação, o conflito, as relações de tempo, espaço. Aqui não há relações aprofundadas, mas sim esboços, aromas. Imagens que entram e saem sem nenhuma obrigação de contar uma história, de desenvolver um pensamento dialógico. O que o espetáculo se inscreve como sendo é de uma espécie de acontecimento expressivo, um exercício de performatividade poética – a linguagem lírica, por si mesma já subverte os referenciais, porém aqui toma a forma de performance.

Como observa, Erika Fischer-Lichte, no texto Performance e Cultura Performativa, “o teatro dramático ocidental enfatizava o tema da motivação psicológica para as ações das personagens, a construção do enredo, os meios das distribuições, constelações e procedimentos cênicos e, desta forma, era induzido a ignorar a função performativa do teatro, o 'acontecimento sem título' trouxe para primeiro plano a função performativa, relembrando sua permanente existência e colocando-a novamente à vista”.

Ainda hoje então, é aguardado pelo público o encontro no teatro com aqueles elementos já citados. A falta deles ainda gera estranhamento. Em verdade, a plasticidade e a valorização das imagens do espetáculo, o aproximam de outras linguagens. A fragmentação impede a estruturação de um desenho de enredo. Mas será a opção de aliar-se a outras linguagens algo problemático ainda hoje? Menos palatável para as platéias? Fazer essas opções, ainda hoje é experimentar um terreno pouco aprofundado, pelo menos no que tange ao Teatro Baiano. É um exercício de engendrar novos caminhos, fazer novos contatos. E para o público, fica um agradável desconforto de ver artes plásticas em movimento, video-poesia, dança-teatro e cumprir a tarefa de completar um sentido que não veio pronto.

sábado, maio 17, 2008

UM REDEMOINHO EM PLENO MOVIMENTO

Criado em dezembro de 2004 na sede do Grupo Galpão, em Belo Horizonte, o Movimento Teatral Redemoinho ganha corpo e se mostra como importante interlocutor na discussão das políticas públicas para o teatro, com seus mais de 60 grupos espalhados por 11 estados do país.

Num momento em que todos os grandes jornais do país abrem espaço para discussões antes muito pouco aprofundadas acerca dos mecanismos de fomento ao teatro, o Redemoinho coloca-se como um interlocutor capaz de dialogar com firmeza na defesa de uma política pública abrangente e mais democrática para a área.

Depois de apresentar a proposta de Lei Federal Programa de Fomento ao Teatro Brasileiro ao Senado Federal e de participar de reuniões com o Ministro Interino da Cultura Juca Ferreira e com diversos senadores e deputados, com o intuito de fazer tramitar esta lei dentro da Comissão de educação, cultura, ciência e tecnologia, comunicação e esporte, a mesma que há pouco tempo recebeu dos artistas globais a tão questionada Lei Geral do Teatro, o Movimento foi convocado para uma reunião com a FUNARTE, no Rio de Janeiro. No Rio, na próxima segunda feira, dia 10/05.

Viajam ao Rio os Conselheiros Tânia Farias (Porto Alegre, RS), Fernando Yamamoto (Natal, RN), Zé Fernando (São Paulo , SP) e Marcelo Bones, (Belo Horizonte, MG); e o secretário Gordo Neto (Salvador, BA).

As reverberações do Redemoinho em Salvador já podem ser sentidas e são palpáveis: incentivada pelo Movimento, uma proposta de Lei de Fomento às Artes Cênicas do Estado da Bahia foi formatada por grupos, artistas e entidades representativas e entregue ao deputado Zé Neto (PT-BA), no dia 26 de março. O gabinete do deputado promoverá, no início de junho, um painel que discutirá a Proposta de Lei, com a participação de políticos e artistas.

Já nos dias 08, 09 e 10 de dezembro de 2008, o Teatro vila Velha receberá o 5º Encontro Nacional Redemoinho, com a participação de mais de 60 representantes dos maiores grupos de teatro do Brasil.

Contatos:

Gordo Neto 3083 4000

quarta-feira, abril 02, 2008

MANIFESTO DO MOVIMENTO REDEMOINHO LIDO EM VÁRIAS CIDADES DO BRASIL NO DIA 27 DE MARÇO DE 2008

Num momento em que tudo se passa como se não houvesse alternativa às formas de privatização e mercantilização da vida, coletivos teatrais de 11 estados do Brasil reúnem-se e se colocam a tarefa de afirmar a dimensão pública do seu teatro.

Em seu 4º. Encontro Anual, o Movimento Redemoinho reafirma a necessidade de criar condições sociais, políticas e econômicas para a construção de uma sociedade na qual a arte e a cultura sejam compreendidas como um direito universal.

Entendemos o teatro como elaboração, na esfera do simbólico, do nosso depoimento crítico sobre a experiência de viver numa sociedade em que a cultura é mercadoria a serviço da dominação. Isso exige, por parte do Estado, o reconhecimento do direito à cultura como exercício crítico da cidadania, ou seja, a negação dos valores da concorrência, da acumulação ou concentração de renda, do preconceito e da exclusão.

O Movimento Redemoinho, portanto, não reconhece a Lei Rouanet de Incentivo como uma política pública para a cultura. Privatizante, antidemocrática e excludente, a Lei Rouanet submete essa esfera da produção simbólica aos interesses mercantis de empresas que nada têm a ver com a idéia de cultura pública.

O Movimento Redemoinho reafirma a necessidade de uma política pública e de continuidade, que efetivamente garanta a circulação, a manutenção, a pesquisa e a criação teatral no Brasil, reafirmando a arte como campo de pensamento e de atuação pública, fundamental para o exercício da cidadania.

O Movimento Redemoinho propõe, então, a criação da LEI FEDERAL PROGRAMA DE FOMENTO AO TEATRO BRASILEIRO, como exemplo para a criação de uma nova política de Estado, e não de governo.

A partir desta data tornamos pública a ação do Movimento Redemoinho de buscar em todas as cidades estabelecer vínculo com os demais grupos teatrais e agentes culturais, percebendo as necessidades locais e agindo nas esferas municipal, estadual e federal.

Este ato é o marco de uma mobilização nacional, onde os grupos participantes do Movimento Redemoinho, articulados em suas regiões, estarão propondo ações que defendam a cultura como direito inalienável do Homem e, portanto, dever do Estado para com seus cidadãos

REDEMOINHO – MOVIMENTO BRASILEIRO DE ESPAÇOS DE CRIAÇÃO, COMPARTILHAMENTO E PESQUISA TEATRAL

Projeto "Casa n° nada – o grito da mulher desordenada"

O espetáculo conta a história de Renata, uma mulher que se depara com uma situação inesperada: ao entrar em seu apartamento não encontra nada, além do vazio. A perda de suas referências materiais, leva-a a viver no limite entre a razão e a loucura, questionando seus valores e os da sua própria sociedade, na qual a realização e a plenitude estão pautadas no consumo e na posse de bens materiais. É nesse contexto que sua vida ganha uma nova direção.

O espetáculo conta ainda com a Direção de Fábio Vidal; Produção de Mariana Serrão, Iluminação de Fábio Espírito Santo; Figurino, maquilagem e adereços de Rino Carvalho; Trilha Sonora de Luciano Bahia; Assessoria de Imprensa de Juliana Protásio; Fotografia de Zélia Uchoa e Programação Visual de Paulo Heber. Além da interpretação, Mariana Freire assina a concepção cenográfica e junto com Fábio Vidal o texto.


sextas : 15:00 h
sabados e domingos - 20:30 h
Local: Espaço Xisto Bahia - Rua General Labatut- (ao lado da Biblioteca Central) - Barris - Salvador - Bahia.
Ingresso R$ 10,00 (inteira)

sexta-feira, março 28, 2008

Qual é o lugar do teatro?

Tenho me perguntado isso? Qual é o lugar do teatro hoje? Nesses tempos de internet, de cinemas multiplex, de tv a cabo, de violência, de economia de gasolina, de não ter onde estacionar, de shows... Qual é o lugar do teatro? Quem vai aos teatros? Sempre vejo as mesmas caras e mesmas figuras. Quem se interessa por teatro? Os universitários? Conheço professores universitários que acham teatro o fim da picada, uma chatice sem tamanho. Se os professores universitários falam isso para seus alunos universitários e esses por sua vez formam os alunos do ensino médio e fundamental, fico a me perguntar quem gosta ou gostará de teatro.
A minha pergunta realmente é uma pergunta sincera. Por que realmente não sei qual é o lugar do teatro hoje, diante de tantas opções de entretenimento, diante 
de suas limitações técnicas e tecnológicas e más condições de produção. Diante da falta de formação e interesse pelo teatro.
Não sei qual é o lugar dessa arte. Sei o lugar que ela tem para mim e na vida de muitos artistas. Teatro nem sempre uma escolha, mas é algo mais forte que a capacidade de escolher para muitos.
Mas para a platéia: qual é o lugar do teatro? Qual é a importância? E para os artistas, qual é a importância do público? O que fazer para reconquistá-lo?
Perguntas...tomara que hajam respostas.

Classe artística

Na data em que se comemora o Dia do Teatro, fui obrigada a refletir um pouco sobre o que é a classe artística do lugar em que vivo: Salvador, primeira capital da Bahia, Brasil. Para isso, dei uma fuçada na internet e vi que por esses dias rolou em Brasília uma audiência pública no Senado, para se discutir a possível criação de uma Secretária Nacional do Teatro, dentro do Ministério da Cultura.
Além disso, a audiência pública serviu para discutir as leis de incentivo e a Lei Rouanet. A matéria trazia a consciência de que não existe uma única classe artística, mas sim várias. Por que somos vários, somos iguais em direito, mas não nos forjamos e lidamos de uma forma unitária com o mundo, com os nossos valores e idéias.
A classe artística global, não é a mesma classe artística de quem a trabalha por um teatro experimental, ou quem propõe um teatro popular. Todos são artistas, mas seus ideais e propostas são diferenciados.
Isso não é problema, problema é a divisão de recursos. É o Estado ter leis de incentivo que muito mais contribuem para esses que cobram até um salário mínimo (valor de Rio-SãoPaulo) por ingresso, enquanto que artistas que não tem nenhum apelo comercial para patrocínio por optarem por fazer um teatro diferenciado morrem à mingua. Sem contar que a concentração dos recursos e maior capacidade de patrocínio se concentra no sudeste, enquanto o restante do país divide uma pífia porcentagem dos investimentos que já são pífios no âmbito da arte.
Aqui, na Bahia, a discussão não é muito diferente. Não acho que exista uma única classe artística, acredito que ela é menos multifacetada que se pensarmos no restante do país, mas ela sofre dos mesmo problemas: concentração dos recursos, poucos patrocínios, mercado de trabalho inchado...
Por essas cercanias, também reside a falta de mobilização e própria consciência política e ética. A falta de mobilização repercute que já existiram diversos fóruns de discussão, fortalecimento do sindicato, proposições de caminhos a serem seguidos, mas muitas desses debates servem muito mais de muro de lamentação e exercício de catarse, do que de encaminhamento de propostas, ações políticas. Os espaços de discussão e debate acabam ficando esvaziados e enfraquecidos. Alguns poucos carregam nas costas esforços para tentar interferir na realidade.
O quadro não é desanimador, de modo algum. Nos últimos anos, na nossa terra se proliferaram os grupos artísticos e o número dos espetáculos é crescente. No fim de 2007 pudemos contar com o I Festival Nacional de Teatro da Bahia, feito a partir do trabalho sério e dos esforços da Cooperativa de Teatro Baiano, que vem contribuindo cotidianamente para a profissionalização da classe artística baiana e já gera frutos bem visíveis.
Ao longo de 2007, várias reuniões aconteceram na cidade. Desses encontros, saiu um grupo de trabalho que formatou uma proposta de Lei de Fomento às Artes Cênicas na Bahia. Inspirado no modelo bem sucedido em São Paulo, essa proposta de lei foi adaptada às necessidades locais e incorporou a Dança e o Circo. O texto está circulando pela internet e precisa de assinaturas e da
aprovação da classe artística dessa terra.
Rolaram também a conferência estadual, que integrou artistas de toda a terra, a fim de discutir e encaminhar propostas e perceber quais são as demandas dessa classe.
É um momento fértil. Não há como negar.
Sim, ainda não vivemos um momento perfeito. Mas como essa classe artística pode se articular de forma inteligente, politizada e ética para solucionar esses problemas. Como os atores podem se enxergar como atores sociais e não como seres à parte dessa sociedade para agir no seu próprio mercado. Assim como a turma da cooperativa, como a proposta de lei de fomento...e tantas outras ações que podem ser feitas.
E sobretudo ética...ética é fundamental para qualquer ser humano. Não podemos criticar modelos políticos, econômicos, culturais e até morais sem termos ética. E infelizmente, nessas muitas classes artísticas, há recursos nada nobres sendo utilizados.
A internet que é um meio poderoso de discussão, mobilização, muitas vezes é utilizada para disseminar fofocas, discórdia e denúncias baseadas em achismos... e o que isso gera? O que se põe em pauta mesmo? O que se transforma? A antiga discussão de mesa de bar entra no meio virtual. Só que palavras ditas na mesa de bar, o vento leva...já no meio virtual...
os bits, bytes registram tudo.
Há que se ter cuidado para não sermos artistas levianos.
Essa classe artística que passou quase 20 anos muda, pouco engajada na vida política e discutindo pouco política cultural hoje faz isso com mais intensidade. È formidável mesmo. Hoje discutir política cultural é algo que faz parte das rodas de conversa, dos programas de rádio, das revistas.
E isso é uma novidade. Mas como fazer isso com ética, com embasamento e coerência? Como não perdermos de vista nosso tempo e contexto histórico e político. A natureza não dá saltos, nem as políticas públicas. Assim, um estado de coisas que está instaurado há décadas não vai mudar em um ano de gestão de uma secretária que tem poucos recursos...como é que agimos de forma articulada e política para não somente criticar (que é necessário), mas especialmente para contribuir e transformar.
Enfim, o artista é um cidadão, um trabalhador como outro qualquer. A matéria que usa sim é a dos sonhos, mas também é o serrote, a porca, a fita crepe. O artista precisa ser tão ético quanto o psicólogo. Tão politizado como um advogado. Tão integrado como os operários.
Uma classe policamente frágil como a nossa (porque permitimos isso) necessita de integração e ética. Aceitação respeitosa das diferenças. Porque somos diferentes, temos ideias diferentes.
Mas como ser diferente, sem passar por cima de ética e valores? Essa precisa ser a nossa busca
enquanto artistas, cidadãos e humanos.
Ou tô sendo utópica?
Espero que não.

sexta-feira, março 21, 2008

LEITURA EM VOX ALTA


O grupo Vilavox, residente do Teatro Vila Velha, dá seguimento nesta terça-feira, dia 25 de março, às 19h, ao projeto Leitura em Vox Alta, que consiste em um exercício de reconhecimento a importantes textos da dramaturgia brasileira. O ciclo de leituras, elaborado pela pesquisadora Silvana Garcia e iniciado no último dia 11, continua com o texto "Muro de Arrimo" de Carlos Queiroz Telles, com direção de Cláudio Machado e entrada franca.

A primeira etapa do projeto teve início com o texto "A Resistência", de Maria Adelaide Amaral, e contou com a participação de estudantes, professores e profissionais do jornalismo na platéia e bate-papo após a leitura. O Coordenador do grupo, Gordo Neto, explica que a intenção do projeto é promover a reflexão e o debate acerca dos temas levantados pelos textos. Nesta primeira etapa, o grupo destaca a dramaturgia do chamado "teatro de resistência", com textos da época da ditadura militar, mais especificamente da segunda metade da década de 70.

O convidado da noite para o bate-papo depois da leitura é o advogado e autor teatral César Vieira (Adibal Pivetta), do Teatro União e Olho Vivo – TOUV. Além de conversar com a platéia e o elenco, César Vieira vai lançar o livro "Em busca de um teatro popular" editado pela FUNARTE, que conta a história do grupo que completou 40 anos. Também destaca-se a participação do Fernando Fulco, convidado do grupo para ler o personagem Lucas.

A expectativa de um pedreiro, conversando sozinho numa obra enquanto ouve seu radinho horas antes do jogo decisivo da seleção na copa do mundo é o mote da peça que discorre sobre importantes fatos e momentos históricos da época. O milagre econômico, a esperança da nação, o medo da morte, a influência da TV, as condições do operariado, a repressão e o isolamento são só alguns dos aspectos levantados pela obra, plausível pela forma como consegue metaforizar e desenvolver seus raciocínios de forma a "burlar" a censura, característica marcante nas mais diversas formas de arte da época.

O texto e o dramaturgo – O texto foi escrito em 1975 a partir de uma notícia de jornal do ano anterior, em que o Brasil acabou em quarto lugar na copa, e perpassa a antiga relação entre política e futebol, entre as duras condições de vida e uma ilusória e efêmera expectativa de glórias. A montagem da estréia contou com direção de Antônio Abujamra e revelou Antônio Fagundes no papel principal. Segundo o professor Marco Antônio Guerra "Carlos Queiroz Telles aponta também para uma nova forma de autor no Brasil pós-64: não mais aquele criador único, de significados únicos, com uma trajetória de vida linear, mas sim, como indivíduo construído e reconstruído por fatores sociais e ideológicos, cuja identidade não paira acima desses fatores e nem se desenvolve por uma lógica interna autônoma. Pelo contrário, é na relação profunda entre as estruturas existentes e sua produção dramatúrgica que reside grande parte de sua importância no quadro da cultura brasileira."

Completam a obra do autor, que foi um dos fundadores do Teatro Oficina, os textos A Semana, Frei Caneca, A Viagem, A Bolsinha Mágica de Marly Emboaba, Arte Final, A Heróica Pancada, Um Trágico Acidente e o infantil A Revolta dos Perus,

O grupo - O Vilavox é um dos grupos residentes do Teatro Vila Velha, em Salvador, Bahia. Criado em 2001, já produziu quatro espetáculos, onde a música se aliava ao teatro e à pesquisa de movimentos, resultando sempre montagens com forte apelo rítmico. O primeiro foi Trilhas do Vila, por ocasião do lançamento do CD de mesmo nome, com trilhas sonoras compostas por Jarbas Bittencourt, diretor musical do grupo, para diversos espetáculos do Teatro Vila Velha.

O segundo foi Almanaque da Lua , onde, à maneira de um almanaque, eram apresentadas curiosidades, lendas e canções sobre a lua. No terceiro, Primeiro de Abril, o golpe militar de 64 foi apresentado numa colagem de fatos históricos, personagens reais e fictícias, uma banda de rock ao vivo e dezoito atores-cantores dando voz ao episódio político que até hoje influencia a vida da nação. Canteiros de Rosa – uma homenagem a Guimarães é o quarto espetáculo do grupo, sempre contando com músicas originais de Jarbas Bittencourt. A palavra e o ritmo da prosa de Guimarães são a inspiração desse espetáculo que versa sobre a loucura, a diferença, o estar a margem, temas comuns à obra do autor mineiro.


Serviço:

O que: Projeto Leitura em Vox Alta

Quando: 25 de março, às 19h

Onde: Cabaré Café do Teatro Vila Velha

Quem: Grupo Vilavox e convidados

Entrada Franca

quarta-feira, março 19, 2008

Pelos Teatros

Pique dos Índios ou a Espingarda de Caramuru: a peça tem texto de Haydil Linhares (que também atua) e data dos anos 70. O espetáculo é a quinta montagem da Outra Companhia de Teatro.
De quinta à domingo, às 20h no Palco Principal do Teatro Vila Velha.
Às quintas, o ingresso tem valor promocional: R$10,00 (inteira) e R$5,00 (meia)
De sexta à domingo, o valor é R$20,00 (inteira)

Cookie: depois de uma série de experimentações e apresentações do trabalho em processo, estréia o espetáculo de Dança e Contato Improvisação, de 18 a 27 de março, às 20h. Uma realização do Núcleo Vaga Para.

Rasputin: musical em cartaz no Teatro dos Correios, às 20h. Último final de semana, sábado e domingo, dias 28 e 29 de março. Entrada: doação de 1kg de alimento não perecível.

As estrelas de Orinoco: comédia musical, premiada com o Braskem de Melhor
Atriz em 2007.–Curta temporada no Teatro Martim Gonçalves, às 20h.
Dias: 20,21,21,23,28, 29 e 30 de março às 20h
Ingressos; R$ 16,00 (inteira) e R$ 8,00 (meia).
Promoção compra antecipada: R$ 10,00 e R$ 5,00

Casa da Atriz Backs Again

Foi mal gente. Dei uma freada na escrita. Uma sumida dos teatros. Da escrita sobre.
Mas o blog volta à ativa e espero com melhor freqüência.
Compromisso, juro.

quarta-feira, novembro 28, 2007

Feminino, repressão, nossos tempos

Ainda que sob discrição, sob as vestes de um país exuberante e moderno, nessa terra corre nas veias a febre do machismo. Por aqui, as mulheres ladras são encarceradas junto a dezenas de homens. Porque para mulher não basta pagar, cumprir pena. Antes do julgamento, tem que servir a uma manada, com seus olhos, mãos, sexo e sangue. Tem que servir em bandeja a sanha cruel de delegados, outras mulheres delegadas. Precisam ser a chacota. A diversão. O esquecimento. E em rede nacional se discute: era menor? Era louca? Eles não sabiam a idade dela. E eu me pergunto: e isso interessa? Ela era mulher e ponto. Dane-se a idade. Não devia ser obrigada a servir ninguém em troca de comida, de água, ou da própria vida. Era mulher e pronto. Isso devia bastar.

A Casa de Bernarda Alba

Sei que não tem relação direta. Mas enfim, começo a falar sobre A Casa de Bernarda Alba, de Federico Garcia Lorca, encenada, traduzida e adaptada por Fabiana Monçalu, a partir da reflexão sobre o feminino, o que é ser mulher por essas terras de cá. Embora falando de um outro tempo, de um outro parâmetro, as palavras de Lorca estão longe de serem anacrônicas, estão longe de terem menos sentido. Ainda é tempo de repressão. Ainda é tempo de corpos femininos reprimidos, minimizados. Ainda é tempo de mulheres de grito abafado, de gemidos em silêncio.

Lorca afeito às narrativas sobre o matriarcado traz à tona a história dessa família de mulheres capitaneadas pela matrona Bernarda. Encarceradas e vigiadas pela mãe, essas mulheres não saem de casa, nem conhecem homem. Não há na vila, varão digno de desposar uma das cinco filhas da matriarca. Não há homem, exceto Pepe Romano, sujeito mais apessoado da comunidade, que estranhamente mostra-se encantado pela mais velha e feia, mas também mais rica das filhas de Bernarda.

E a história se desenovela nesse ambiente causticante, asfixiante. Desde cedo elas sabem que devem servir ao seu homem, pouco perguntar, apenas responder, reagir. Olhar se eles as olham. Falar se eles com elas falam.

Para encenar esse clássico da dramaturgia de língua latina, Fabiana Monçalu recorre a diversos elementos que contribuem para que suas atrizes e atores mergulhem no universo de Lorca, levando consigo o espectador, que é convidado a adentrar na intimidade da casa de Bernarda. A opção por realizar o espetáculo no velho solar do tradicional Colégio Dois de Julho, no bairro do Garcia, em si já leva o receptor para dentro de um ambiente antigo, decadente numa medida, mas também austero e aterrador. Ainda que arruinado, o ambiente recorre a uma imponência, não diferentemente daquela família, ora sem homens, já sem riquezas, de luto e sem espaços para o sorriso.

A diretora fez a opção de ter como intérprete de Alba um ator (Amarílio Sales, que defende a sua personagem com maestria e presteza), que em muitos momentos pode confundir o espectador, com tamanha feminilidade, mas também contundência com que vive a matriarca. A escolha remete ao entendimento que embora sob saias e vestes de fêmea, Bernarda não defende interesses do feminino, mas colabora para a manutenção de um poder, de uma ordem favorável ao gênero dos machos. Esta mãe, sob o discurso da moral, da decência e do nome da família, asfixia suas filhas, mas especialmente oprime em si e no outro o feminino.

Outra escolha bastante funcional é pela ênfase corporal na construção das personagens, que trazem um que de zoomorfo, animalesco. São mulheres cobra, cavalo, pássaro. Com seus tiques, com seus corpos vivos, olhos arteiros, de águia. Corpos vivos e expressivos que não deixam escapar a palavra bem dita e valorizada em todo o texto. Juntos, corpo e palavra levam o espectador em uma dança frenética, mas também tensa. As coreografias pontuam os momentos críticos do texto, dinamizando a encenação, mas especialmente contribuindo na narrativa e na ação.

Outro homem interpreta uma mulher, a criada La Poncia (muito bem vivida pelo ator André Rosa), que tem a língua solta para questionar as atitudes de Bernarda. Diferentemente das demais personagens que de luto vestem o preto, La Poncia traz as vestes coloridas e vivas. Pois talvez ela seja a única nessa condição. Seja a única a ter voz e liberdade, ainda que subordinada socialmente e financeiramente. Mas sim, aqui também se vê um homem.

E em busca de ar e vida, essas mulheres desejam esse único homem próximo, Pepe Romano, homem que não as ama, não as salva, mas é sim, pivô da desdita de todas. A tragédia se afirma, mas ordem não se altera. Bernarda continua no seu lugar de poder, ainda que sob os gritos, gemidos e sangue de suas meninas.

E oprimida, eu saio do teatro a pensar: é isso uma antiga ficção? Seria mesmo?

A Casa de Bernarda Alba

Direção e Adaptação: Fabiana Monçalu

Onde: Solar Conde dos Arcos - Colégio Dois de Julho (Av. Leovigildo Filgueiras - Garcia)

Quando: sexta, sábado e domingo, às 20h


quarta-feira, outubro 31, 2007

Festival de Teatro da Bahia



Bem, em meio a tanta "crise", um momento único para as artes cênicas na Bahia está acontecendo. Salvador abrigará de 1° a 10 de novembro o I Festival Nacional de Teatro da Bahia, reunindo espetáculos teatrais baianos e de tantas outras localidades brasileiras. Grupos profissionais, amadores, universitários, solos, performances, mostras e oficinas vão movimentar os palcos da cidade. A programação está disponível no endereço: www.cooperativabaianadeteatro.com.br/festival.

Aproveito para fazer o convite a todos para assistir a curta temporada de Canteiros de Rosa, dentro da programação do Festival. Dias 2, 3 e 4 de Novembro, às 20h, no Palco Principal do Vila Velha.