sexta-feira, março 28, 2008

Classe artística

Na data em que se comemora o Dia do Teatro, fui obrigada a refletir um pouco sobre o que é a classe artística do lugar em que vivo: Salvador, primeira capital da Bahia, Brasil. Para isso, dei uma fuçada na internet e vi que por esses dias rolou em Brasília uma audiência pública no Senado, para se discutir a possível criação de uma Secretária Nacional do Teatro, dentro do Ministério da Cultura.
Além disso, a audiência pública serviu para discutir as leis de incentivo e a Lei Rouanet. A matéria trazia a consciência de que não existe uma única classe artística, mas sim várias. Por que somos vários, somos iguais em direito, mas não nos forjamos e lidamos de uma forma unitária com o mundo, com os nossos valores e idéias.
A classe artística global, não é a mesma classe artística de quem a trabalha por um teatro experimental, ou quem propõe um teatro popular. Todos são artistas, mas seus ideais e propostas são diferenciados.
Isso não é problema, problema é a divisão de recursos. É o Estado ter leis de incentivo que muito mais contribuem para esses que cobram até um salário mínimo (valor de Rio-SãoPaulo) por ingresso, enquanto que artistas que não tem nenhum apelo comercial para patrocínio por optarem por fazer um teatro diferenciado morrem à mingua. Sem contar que a concentração dos recursos e maior capacidade de patrocínio se concentra no sudeste, enquanto o restante do país divide uma pífia porcentagem dos investimentos que já são pífios no âmbito da arte.
Aqui, na Bahia, a discussão não é muito diferente. Não acho que exista uma única classe artística, acredito que ela é menos multifacetada que se pensarmos no restante do país, mas ela sofre dos mesmo problemas: concentração dos recursos, poucos patrocínios, mercado de trabalho inchado...
Por essas cercanias, também reside a falta de mobilização e própria consciência política e ética. A falta de mobilização repercute que já existiram diversos fóruns de discussão, fortalecimento do sindicato, proposições de caminhos a serem seguidos, mas muitas desses debates servem muito mais de muro de lamentação e exercício de catarse, do que de encaminhamento de propostas, ações políticas. Os espaços de discussão e debate acabam ficando esvaziados e enfraquecidos. Alguns poucos carregam nas costas esforços para tentar interferir na realidade.
O quadro não é desanimador, de modo algum. Nos últimos anos, na nossa terra se proliferaram os grupos artísticos e o número dos espetáculos é crescente. No fim de 2007 pudemos contar com o I Festival Nacional de Teatro da Bahia, feito a partir do trabalho sério e dos esforços da Cooperativa de Teatro Baiano, que vem contribuindo cotidianamente para a profissionalização da classe artística baiana e já gera frutos bem visíveis.
Ao longo de 2007, várias reuniões aconteceram na cidade. Desses encontros, saiu um grupo de trabalho que formatou uma proposta de Lei de Fomento às Artes Cênicas na Bahia. Inspirado no modelo bem sucedido em São Paulo, essa proposta de lei foi adaptada às necessidades locais e incorporou a Dança e o Circo. O texto está circulando pela internet e precisa de assinaturas e da
aprovação da classe artística dessa terra.
Rolaram também a conferência estadual, que integrou artistas de toda a terra, a fim de discutir e encaminhar propostas e perceber quais são as demandas dessa classe.
É um momento fértil. Não há como negar.
Sim, ainda não vivemos um momento perfeito. Mas como essa classe artística pode se articular de forma inteligente, politizada e ética para solucionar esses problemas. Como os atores podem se enxergar como atores sociais e não como seres à parte dessa sociedade para agir no seu próprio mercado. Assim como a turma da cooperativa, como a proposta de lei de fomento...e tantas outras ações que podem ser feitas.
E sobretudo ética...ética é fundamental para qualquer ser humano. Não podemos criticar modelos políticos, econômicos, culturais e até morais sem termos ética. E infelizmente, nessas muitas classes artísticas, há recursos nada nobres sendo utilizados.
A internet que é um meio poderoso de discussão, mobilização, muitas vezes é utilizada para disseminar fofocas, discórdia e denúncias baseadas em achismos... e o que isso gera? O que se põe em pauta mesmo? O que se transforma? A antiga discussão de mesa de bar entra no meio virtual. Só que palavras ditas na mesa de bar, o vento leva...já no meio virtual...
os bits, bytes registram tudo.
Há que se ter cuidado para não sermos artistas levianos.
Essa classe artística que passou quase 20 anos muda, pouco engajada na vida política e discutindo pouco política cultural hoje faz isso com mais intensidade. È formidável mesmo. Hoje discutir política cultural é algo que faz parte das rodas de conversa, dos programas de rádio, das revistas.
E isso é uma novidade. Mas como fazer isso com ética, com embasamento e coerência? Como não perdermos de vista nosso tempo e contexto histórico e político. A natureza não dá saltos, nem as políticas públicas. Assim, um estado de coisas que está instaurado há décadas não vai mudar em um ano de gestão de uma secretária que tem poucos recursos...como é que agimos de forma articulada e política para não somente criticar (que é necessário), mas especialmente para contribuir e transformar.
Enfim, o artista é um cidadão, um trabalhador como outro qualquer. A matéria que usa sim é a dos sonhos, mas também é o serrote, a porca, a fita crepe. O artista precisa ser tão ético quanto o psicólogo. Tão politizado como um advogado. Tão integrado como os operários.
Uma classe policamente frágil como a nossa (porque permitimos isso) necessita de integração e ética. Aceitação respeitosa das diferenças. Porque somos diferentes, temos ideias diferentes.
Mas como ser diferente, sem passar por cima de ética e valores? Essa precisa ser a nossa busca
enquanto artistas, cidadãos e humanos.
Ou tô sendo utópica?
Espero que não.

Nenhum comentário: