quarta-feira, novembro 28, 2007

Feminino, repressão, nossos tempos

Ainda que sob discrição, sob as vestes de um país exuberante e moderno, nessa terra corre nas veias a febre do machismo. Por aqui, as mulheres ladras são encarceradas junto a dezenas de homens. Porque para mulher não basta pagar, cumprir pena. Antes do julgamento, tem que servir a uma manada, com seus olhos, mãos, sexo e sangue. Tem que servir em bandeja a sanha cruel de delegados, outras mulheres delegadas. Precisam ser a chacota. A diversão. O esquecimento. E em rede nacional se discute: era menor? Era louca? Eles não sabiam a idade dela. E eu me pergunto: e isso interessa? Ela era mulher e ponto. Dane-se a idade. Não devia ser obrigada a servir ninguém em troca de comida, de água, ou da própria vida. Era mulher e pronto. Isso devia bastar.

A Casa de Bernarda Alba

Sei que não tem relação direta. Mas enfim, começo a falar sobre A Casa de Bernarda Alba, de Federico Garcia Lorca, encenada, traduzida e adaptada por Fabiana Monçalu, a partir da reflexão sobre o feminino, o que é ser mulher por essas terras de cá. Embora falando de um outro tempo, de um outro parâmetro, as palavras de Lorca estão longe de serem anacrônicas, estão longe de terem menos sentido. Ainda é tempo de repressão. Ainda é tempo de corpos femininos reprimidos, minimizados. Ainda é tempo de mulheres de grito abafado, de gemidos em silêncio.

Lorca afeito às narrativas sobre o matriarcado traz à tona a história dessa família de mulheres capitaneadas pela matrona Bernarda. Encarceradas e vigiadas pela mãe, essas mulheres não saem de casa, nem conhecem homem. Não há na vila, varão digno de desposar uma das cinco filhas da matriarca. Não há homem, exceto Pepe Romano, sujeito mais apessoado da comunidade, que estranhamente mostra-se encantado pela mais velha e feia, mas também mais rica das filhas de Bernarda.

E a história se desenovela nesse ambiente causticante, asfixiante. Desde cedo elas sabem que devem servir ao seu homem, pouco perguntar, apenas responder, reagir. Olhar se eles as olham. Falar se eles com elas falam.

Para encenar esse clássico da dramaturgia de língua latina, Fabiana Monçalu recorre a diversos elementos que contribuem para que suas atrizes e atores mergulhem no universo de Lorca, levando consigo o espectador, que é convidado a adentrar na intimidade da casa de Bernarda. A opção por realizar o espetáculo no velho solar do tradicional Colégio Dois de Julho, no bairro do Garcia, em si já leva o receptor para dentro de um ambiente antigo, decadente numa medida, mas também austero e aterrador. Ainda que arruinado, o ambiente recorre a uma imponência, não diferentemente daquela família, ora sem homens, já sem riquezas, de luto e sem espaços para o sorriso.

A diretora fez a opção de ter como intérprete de Alba um ator (Amarílio Sales, que defende a sua personagem com maestria e presteza), que em muitos momentos pode confundir o espectador, com tamanha feminilidade, mas também contundência com que vive a matriarca. A escolha remete ao entendimento que embora sob saias e vestes de fêmea, Bernarda não defende interesses do feminino, mas colabora para a manutenção de um poder, de uma ordem favorável ao gênero dos machos. Esta mãe, sob o discurso da moral, da decência e do nome da família, asfixia suas filhas, mas especialmente oprime em si e no outro o feminino.

Outra escolha bastante funcional é pela ênfase corporal na construção das personagens, que trazem um que de zoomorfo, animalesco. São mulheres cobra, cavalo, pássaro. Com seus tiques, com seus corpos vivos, olhos arteiros, de águia. Corpos vivos e expressivos que não deixam escapar a palavra bem dita e valorizada em todo o texto. Juntos, corpo e palavra levam o espectador em uma dança frenética, mas também tensa. As coreografias pontuam os momentos críticos do texto, dinamizando a encenação, mas especialmente contribuindo na narrativa e na ação.

Outro homem interpreta uma mulher, a criada La Poncia (muito bem vivida pelo ator André Rosa), que tem a língua solta para questionar as atitudes de Bernarda. Diferentemente das demais personagens que de luto vestem o preto, La Poncia traz as vestes coloridas e vivas. Pois talvez ela seja a única nessa condição. Seja a única a ter voz e liberdade, ainda que subordinada socialmente e financeiramente. Mas sim, aqui também se vê um homem.

E em busca de ar e vida, essas mulheres desejam esse único homem próximo, Pepe Romano, homem que não as ama, não as salva, mas é sim, pivô da desdita de todas. A tragédia se afirma, mas ordem não se altera. Bernarda continua no seu lugar de poder, ainda que sob os gritos, gemidos e sangue de suas meninas.

E oprimida, eu saio do teatro a pensar: é isso uma antiga ficção? Seria mesmo?

A Casa de Bernarda Alba

Direção e Adaptação: Fabiana Monçalu

Onde: Solar Conde dos Arcos - Colégio Dois de Julho (Av. Leovigildo Filgueiras - Garcia)

Quando: sexta, sábado e domingo, às 20h


quarta-feira, outubro 31, 2007

Festival de Teatro da Bahia



Bem, em meio a tanta "crise", um momento único para as artes cênicas na Bahia está acontecendo. Salvador abrigará de 1° a 10 de novembro o I Festival Nacional de Teatro da Bahia, reunindo espetáculos teatrais baianos e de tantas outras localidades brasileiras. Grupos profissionais, amadores, universitários, solos, performances, mostras e oficinas vão movimentar os palcos da cidade. A programação está disponível no endereço: www.cooperativabaianadeteatro.com.br/festival.

Aproveito para fazer o convite a todos para assistir a curta temporada de Canteiros de Rosa, dentro da programação do Festival. Dias 2, 3 e 4 de Novembro, às 20h, no Palco Principal do Vila Velha.

Crise sem apogeu

Então, tá na capa da revista. Tá no jornal. Dizem que a Bahia está vivendo uma crise na cultura. Aí eu me pergunto: crise? Crise, para mim, até onde sempre soube entendi, representa um declínio de alguma coisa. Uma ruptura, uma quebra, que promove uma série de acontecimentos de ordem negativa.

No Prêmio Braskem desse ano, os espetáculos vencedores de muitas categorias não contaram com patrocínio. Nem apoio. Foram feitos com pequenos apoios, com recursos tirados dos bolsos dos elencos, das direções. Minha família mora no Pelourinho. A reforma foi feita à forceps. Famílias ludibriadas, recebendo indenizações pífias, muito aquém do tempo de vida nas casas. Os bares do Pelourinho estão às moscas há alguns verões. Aliás o Pelourinho só é entretenimento para turista e no verão. Não há uma programação voltada para os baianos e não é coisa de 2007. Os editais para cultura aconteciam bem vagarosamente e de caju em caju, se bem me lembro. Também nunca tive notícia de uma conferência discutindo cultura. Ou do Sr. Mário Kertez versando sobre o assunto em seu programa de rádio. Nem da TV Bahia preocupada com algo além da cultura axé, que é do que ela entende. Ah, sim, cultura axé. Essa é a única música que a Bahia produz, decerto, porque é só para onde os dinheiros do Fazcultura iam. Era para o axé e seu carnaval privatizado que iam recursos da Emtursa. Na Bahia, músico que quer respirar outros gêneros musicais, fazer um trabalho autoral, de qualidade, tem que se bancar, ou arranjar outro emprego...
Esse sempre foi o quadro. Qual é a crise?
Crise é buscar fiscalizar, fazer auditorias em certos espaços? Buscar agir na legalidade? Propor uma política cultural diferenciada, para os baianos, descentralizada, compartilhada e discutida por outros baianos além os dos séquitos que sempre tiveram financiamentos? A única emissora de tv que cobriu a Conferência de Cultura mostrou gente de toda natureza, classe social e região da Bahia construindo uma proposta de política cultural. Onde estavam aqueles que dizem tanto fazer pela cultura dessa terra? Por que não sentaram lá para propor um caminho novo? Ou já que não desejam o novo, por que não propuseram a cultura festiva carlista do axé? A sua continuidade. Que é do que gostam...
E o pior de tudo é ver órgãos de imprensa se prestando a um papel vergonhoso, tendencioso e anti-ético porque não dizer... Porque é legítimo sempre pensar na manutenção das hegemonias? Dos grupos políticos que sufocam as maiorias? Por que os que alardeiam defender os direitos do povo não conseguem limpar os olhos míopes e turvos dos seus próprios interesses? Difícil ter a honestidade de assumir que só defendem a si mesmos, aos seus próximos...
Triste imprensa baiana. Eterna triste Bahia.

quinta-feira, setembro 27, 2007

Que cultura queremos?

Assisto perplexa a um almoço em praça pública, em jornal, tevê, rodas de conversa. O almoço sobre a carne de quem tenta quebrar modelos tortos de se fazer cultura. A cultura na Bahia era como uma festa, cujo aniversariante convida 100 convidados, mas só concede a fatia do bolo para cinco, seis no máximo. Um bolo construído à custa dos 100 convidados, que quase sempre ficam a ver navios. A sentir fome. As verbas do Fazcultura dessa terra eram centralizadas em Salvador, nas mãos de pouco mais de 20 produtores. 93% da cultura da Bahia era empregada na capital. Migalhas para o restante desse estado, que é quase um continente.

O Pelourinho é hoje o “mártir” para a imprensa baiana. É também o algoz da Secretaria de Cultura do estado, que busca quebrar os vícios instaurados naquele terreno por anos. Sim, os bares estão às moscas, não há graça nenhuma hoje no Centro Histórico de Salvador. Mas é papel do governo pagar as atrações musicais que vão atrair público para as casas noturnas da região? É papel de o governo investir no mercado do entretenimento local? Quando vou aos bares do Rio Vermelho, assisto a programações culturais que os comerciantes locais viabilizam. Assim é na Ribeira, assim é na Orla, assim é em qualquer lugar dessa e de qualquer terra. No vício do Pelourinho, é papel do estado pagar as atrações musicais ou culturais para lotar os bares e restaurantes. Ou pior, investir em atrações privadas, cedendo um espaço público para produtores locais cobrarem ingressos exorbitantes. É essa a cultura que sempre foi, é essa a cultura que essa população espera?

E no meio dessa história toda, um teatro que por anos, sim, contribuiu para a cultura soteropolitana. Espaço para artistas da terra, mas mais do que isso, espaço para um público novo, que desconhecia outros palcos e que podia ali assistir a espetáculos de qualidade, a conhecer aquilo que se chama teatro. O Theatro XVIII, que hora, tem as portas fechadas foi por muito um feliz espaço que promoveu a democratização do acesso a cultura, a formação de novas platéias. Talvez, pouco aberto para artistas não tão próximos da administração do teatro, um tanto focado num séqüito, mas por outro lado, uma casa que dava acesso a um público diferente, a cidadãos que não conheciam outras salas, outros atores, outras peças. Àqueles que não dispunham de convites ou recursos para verr outros espetáculos.

Ok. Esse teatro fez muito pela cultura de Salvador, mas isso não o isenta de fiscalização, visto que há ali recursos públicos. Da mesma forma como é feito nas organizações sociais que conheço. Se eu uso um recurso que é do estado, é meu dever prestar contas. Assim como é dever do estado pedir explicações dos gastos. Se eu afirmo que vou gastar com cultura, que sentido tem eu entregar uma comprovação de agropecuária? Uma nota fiscal que não cabe para aquele universo com o qual estou afirmando trabalhar. Trabalho com organizações e recebo minha remuneração através da estrutura de pessoa jurídica. Se meu trabalho é com comunicação, só posso usar uma nota fiscal da área de comunicação. Não posso ser jornalista e dar a meu cliente uma nota fiscal da quitanda...é natural então, que meu cliente não aceite essa nota, que ele questione. Há algo de errado.

Assim, pergunto. O que há de errado com a Secretaria de Cultura proceder na letra da lei? Essa terra é tão tonta, tão tosca, que quando a lei é cumprida, as pessoas se sentem ultrajadas, humilhadas... não sei. Será que precisamos dar um jeitinho? Por mais gente boa que eu seja, se minhas contas estão pouco corretas, se a prestação não está de acordo, não posso me queixar se o meu parceiro financeiro exige o recurso de volta. Se há erros...se há pendências ou coisas questionáveis. É assim nos lugares em que trabalho, em qualquer empresa. Assim deve ser no estado. Presumo.

Mas não é o que a imprensa mostra. O Governo é execrado por cumprir sua lei. É execrado por exigir que os comerciantes invistam em seus próprios empreendimentos. Que recursos o Governo investe no Rio Vermelho? Que incentivos são dados para os bares dessa região? O que justifica um tratamento diferenciado com o Pelourinho? Sim, falta segurança... como falta segurança no próprio Rio Vermelho, no Campo Grande, na Piedade (onde morro de medo de transitar à noite), em Plataforma, no Bonfim, no Cabula. Falta segurança nessa terra inteira...o Pelourinho não deve ser privilegiado, nem mártir.

Pela primeira vez na existência dessa Bahia, acontecem encontros por várias localidades para se discutir que cultura as pessoas desse estado desejam. Que cultura queremos. Nunca vi isso aqui. Nunca me perguntaram. Nem aos amigos de Feira de Santana, Vitória da Conquista, Senhor do Bonfim, entre tantos cantos...que cultura queremos, baianos? A cultura maquiada? Queremos investimentos da cultura do trio elétrico? Em blocos que cobram mais que nossos salários para tocar uma música pasteurizada? Queremos a cultura de uma dúzia de produtores endinheirados nesse estado que tem pelo menos quatro centenas de municípios? Queremos o Governo do Estado investindo em festas fechadas de camisa? É essa a cultura que queremos? Se é essa, provavelmente, esse sujeito que aí está não é a pessoa...

E quanto ao XVIII torço que volte com todo gás, abrindo as portas para tantos baianos. Mas que volte organizado, bem administrado, como deve ser qualquer instituição. Seja ela da cultura, farmácia, movimento social.

Falo como artista, moradora do Pelourinho, ativista social, freqüentadora do XVIII, sonhadora.

Zé Celso é anacrônico?

Há uns anos atrás eu assistia a uma discussão na minha sala de Estética da Comunicação: Zé Celso Martinez faz há trinta anos a mesma coisa. Era o que dizia uma colega. Eu, aspirante à atriz, mas pouco conhecedora do Teatro Oficina, só fazia observar e nada intervir o responder. Que podia eu dizer? Do Oficina só sabia das suas histórias de resistência à ditadura e de muita gente nua. Oito anos se passaram, mas a discussão continua. Zé Celso é anacrônico, afirmam muitos.

Na primeira semana de setembro (desculpem, ando escrevendo muito atrasadamente), o Teatro Oficina Uzina Uzona teve uma passagem por Salvador apresentando a saga de Os Sertões, a peça inteira, dividida em cinco noites, totalizando 32 horas de espetáculo. Não sei eu se isso é anacronismo, mas sei que em Salvador, mais de 1h30 de peça já é motivo de muxoxo e chiadeira na platéia. Fui tentando responder a essa pergunta, mas confesso que não me é possível. Me falta bagagem, me falta conhecer mais daquele teatro.

Mas me sobrou uma impressão contrária. Não de anacronismo. Se falamos de tempo é preciso reconhecer que é o tempo hoje relativo. E se ele é relativo, o tempo muda de ponto de vista para ponto de vista. Logo, para a estética teatral vigente em Salvador, para a nossa forma de fazer teatro hoje, posso afirmar que aquilo que Zé Celso constrói no palco está longe de ser anacrônico. Talvez ele o seja em sua terra natal, talvez o seja na Alemanha. Mas para os nervos dos baianos, tudo aquilo soa novo, soa uma experiência ainda não vivida.

E eu, aspirante a atriz e jornalista de férias, me vi diante de uma vivência muitas vezes atávica. Quero dizer, que em tantos momentos, me sentia fora desse tempo. Desse tempo de hoje, das mensagens tão rápidas, tão diretas, da necessidade de dizer tudo de uma forma meio mais simples, meio sem consumir muito o tempo do outro, que tem pressa. Atávica por tantos momentos me via dentro de cirandas, de rituais, de transes, mas também de raciocínios. Nada me surpreendia de fato. E não sei se essa falta de surpresas é para alguns anacronismo. Para mim, a novidade era me sentir numa experiência que podia tanto ser próxima daquela que aprendi nos livros como era o modo de assistir ao teatro grego. Uma proximidade, um aroma daquele outro tempo. Também não sei se é isso anacronismo.

Sim, há excessos, a verborragia, há baco em excesso pra Canudos. Há um Antônio Conselheiro liberal demais, há uma enxurrada de auto-referencialidade, há um punhado que cansam, que escapam. Mas há uma disponibilidade de fazer um teatro tão verdadeiro, tão entregue. Tão nu. Tão fiel aos seus propósitos. E dane-se o público. E que venha o público e vá ao centro do palco, como estrela principal. E faça parte. E dance.

segunda-feira, agosto 20, 2007

A obra de Caetano Veloso por Fabio Vidal


Velôsidade Máxima 2
O personagem Narciso (Um corpo sonhador) transita em mundo dentro de mundos, formado pela obra poética de Caetano Veloso, contida nas letras de suas canções, recriada para cena pelos experimentos cênicos do ator-performer, diretor e autor Fabio Vidal.

O Theatro XVIII, que já recebeu Fabio Vidal nas encenações Seu Bomfim e ERÊ- Eterno Rêtorno é o espaço que abrigará esse sonho coletivo que a cada dia terá participações especiais de atores, dançarinos, encenadores, filósofos ou professores, refrescando e incrementando as apresentações com relatos, atuações, movimentos e sentimentos.

Uma encenação mutante, que apresenta uma narrativa descontínua, variante no tempo e no espaço, adentrando em planos de fantasia e memória, propiciando uma fusão de realidades e ficções, sendo ressaltados e pontuados os signos e mitos presentes na obra de Caetano Veloso. Aqui se vê a multiplicidade de "Eus" que Caetano presentifica com suas estrelas, luas, sóis, amores, Brasis, carnavais, cores, nomes, livros, línguas, gentes, Bahias e mundos.

Várias possibilidades de utilização das composições foram testadas: criação de personagem, fusão de letras, danças, cantos, expressividades vocais, contação de histórias, relatos, leituras, para gerar uma escritura cênica singular. Constelações temáticas reconstruídas e adaptadas à cena nesta pesquisa de mestrado do Programa de Pós Graduação em Artes Cênica (PPGAC) UFBA.

Este trabalho é fruto de um projeto sobre o fazer teatral baseado na autonomia do ator/atuante. Constituem-se territórios nômades em favor da vida. Espaços para expressividades, efetivação de diferenças criativas onde a práxis e o experimentalismo oferecem instaurações estéticas e libertárias. A procura de um teatro do acontecimento. Afetos, percepções, inquietações, urgências e sensações como fontes geradoras do material cênico.

Brasil, Mundo, Tropicalismo, Processo Criativo, Teatro, performance, dramaturgia, encenação, semiologia, espaço, tempo, criatividade, teatro físico, atuação, público/audiência, MPB, música e poesia são motes recorrentes que se desenvolvem em Velôsidade Máxima 2.

SOBRE FABIO VIDAL –
Ator performer, autor e diretor. É mestrando pela UFBA. Formado em Interpretação Teatral – (Bacharelado/ UFBA). Ministra aulas acerca do trabalho criativo do ator e Teatro físico. É representante do Conselho de Núcleos da Cooperativa Baiana de Teatro. Criou, dirige e atua nas encenações Velôsidade Máxima, ERê - Eterno Rêtorno (fruto do projetos solos do Brasil, que contou com a coordenação artística de Denise Stoklos) e Seu Bomfim. É integrante do grupo Sirius Teatro”e do grupo de Improviso Teatral Os Bobos da Corte. Como ator participou de diversas montagens dentre as quais Murmúrios e Divinas Palavras (dir. Nehle Franke), Os Acrobatas (dir Ewald Hackler), Casa de Eros (dir.Jose Possi Neto), Otelo (dir. Carmem Paternostro), Recital de poesias satíricas – Gregório de Mattos (dir. Meran Vargens).
Serviço:
Velôsidade Máxima 2
Quando – de 24 de agosto a 16 de setembro de 2007
Dias – Sexta a domingo
Horas – 20 horas
Onde - Theatro XVIII, Rua Frei Vicente numero 18- Pelourinho
Indicado - Maiores de 12 anos
Ingresso - R$ 4,00
Espetáculo do Grupo Sirius Teatro participante da Cooperativa Baiana de Teatro.


FICHA TÉCNICA
Fabio Vidal Atuação, autoria, encenação, concepção e produção
Caio Rodrigo e
Leonardo Mineiro - Assistência de encenação
Fernanda Paquelet Iluminação
Viviane Freitas e
André Portugal Design Gráfico
Rino Carvalho Figurino
Marco Antônio Confecção e assessoria de Figurino:
Sônia Rangel – Orientação da Pesquisa
Sandra Simões Coordenação de Comunicação
Pedro Morais Divulgação.
Emerson Cabral. Trilha Sonora
Zélia Uchôa Fotos
Fabio Vidal. Produção

sábado, julho 07, 2007



Então, há alguns posts atrás (o que equivale a quase um ano), eu escrevi um comentário sobre o espetáculo "Canteiros de Rosa". Saira do teatro com a leveza de ter visto Guimarães Rosa encenado de uma forma delicada, poética. E ao mesmo tempo pensava, como gostaria de fazer aquele espetáculo...certos desejos são engraçados. Há que se ter cuidado com o que se deseja, pois vira e mexe, acontece.
Então, numa tarde de domingo recebi o convite para substituir uma das atrizes e enfrentar a maratona de apresentações Nordeste afora. Sem pensar muito aceitei. Meio inconseqüente, meio empolgada. Tanto tempo longe do teatro, não ia ousar dizer não. E da inconseqüência se fez ensaio, viagens, aeroporto, coxia, malas, caixas, fita crepe. Alguns momentos de arrependimento: não sei mais ser atriz, desafino, erro a marca, não consigo trabalhar a cena, saudade de minha cama, vontade de ver minha mãe...Momentos de alegria: a luz bonita do arco íris, a voz de Márcia cantando a cena de Sorocô, a destreza de Cláudio subindo andaimes afora, a dedicação de Jacyan cuidando para que tudo saisse da melhor forma possível, tantas e tantas coisas positivas que não saberia enumerar.
Mas enfim, não vim fazer um relato emocionado ou coisa parecida. Pensei em escrever sobre a vida de artista viajante. A possibilidade de deslocar o olhar de onde é seu chão pra ver outras terras. E sim, parece que embora fértil, doce e vicioso, o terreno de onde brota o teatro é árido em toda parte. Sim, árido é mesmo a palavra.
Na primeira parada, encontramos o segundo maior teatro da cidade, Atheneu, um pouco longe das expectativas iniciais. Um belo teatro, um equipamento que poderia estar potencializando a cultura localmente, em condições de abandono e descuido. Em Alagoinhas, o Centro de Cultura que guarda diversos espaços que poderiam ser propícios para diferentes linguagens artísticas agoniza. Matagal, abandono, falta de refletores, sujeira...Lastimável.
Subindo o Nordeste, chegamos ao Rio Grande do Norte. Em Mossoró e Natal, nos deparamos com duas estruturas invejáveis. Teatros bem equipados e com uma rica infra-estrutura. Porém, agora o fantasma é a platéia, tão difícil de ser atraída para as salas de teatro. Depois de muito esforço e inúmeras visitas a escolas, faculdades, nos deparamos com o primeiro grande público. 450 pessoas lotando aquele teatro modelo francês. Público ávido de riso, mas que também se rendeu às delicadezas da montagem. Na última parada, a vontade de criar espaços para teatro, não raro, propõe que o ambiente da cena não seja dos mais adequados: espaço exiguo, falta camarim, se aperta daqui, ajeita de lá...e o público pouco vem.
E em toda parte, pelos cartazes das peças que já estiveram em temporada, faço a constatação de que o riso é quem vinga. A comédia seduz e é a dona da bola. Mas que caminho aqueles que querem outros caminhos podem seguir para ter platéia?
E em cada parada, um jeito de fazer produção diferente. Uma realidade nova e a constatação de que não existem fórmulas certas. Em comum, a constatação que a estrada para o ator é o terreno do aprendizado, das supresas, das descobertas. Acústica boa, acústica ruim. Coxia, não coxia. A cada apresentação um espaço novo para se adaptar, para se entender. E essa é a graça da arte do ator viajante (mambembe?).
Em comum, em todas as casas em que estivemos, carinho, respeito e receptividade. Ao fim dos aplausos, a constatação do dever cumprido e de alguns corações tocados.

terça-feira, junho 05, 2007

Comentário Extemporâneo I

Ora pois pois, o blog andou pouco ativo. Um tanto às moscas. Andei andando ocupada. Pouco paciente. Mas cá estou. Tentando correr atrás do tempo e falar de duas montagens que chamaram a minha atenção nesse primeiro semestre de 2007, mas também para falar do acontecimento teatral que é a entrega do Prêmio Braskem de Teatro.
Serei breve. O assunto já passou da hora.
Na verdade, isso aqui consistirá numa nota autoral e que apenas deseja pontuar o particular momento político-cultural que vive a Bahia. Num ano de poucas produções de orçamento mais alto e sem os nomes consagrados do teatro baiano em cena, abre-se o espaço para aqueles que estão batalhando, mas sem as condições ideais de produção e para os muitos que começam a colocar seus tijoloes e pedras na cena teatral soteropolitana.
Caras jovens, peças sem patrocínio, diretores pouco conhecidos, montagens didáticas tiveram seu espaço e respectivos holofotes na festa. Discussos inflamados. Ansiedade de mudança na história desse teatro, que não, não é fácil nem para os sem, nem para os com prestígio e recursos financeiros.
Que não se engane. Novo governo. Nova Secretaria de Cultura. A premiação do Braskem expressa um novo tempo, mas também uma premiação que busca uma consonância com a nova atmosfera política.
Que para 2008, mais tenham condição de fazer teatro. Mais possam viver dignamente de sua arte. Mais público possa assistir e saber o que se passa. E que a premiação possa ser não só política, mas cada vez mais reflexão sobre a arte e a qualidade da produção artística. Espaço no palco para todos.


PS: destaque para o espetáculo da premiação, assinado por Guerreiro. Belo trabalho, que conseguiu com ritmo e beleza mostrar as várias faces da cena cultural baiana.

Comentário Extemporâneo II

Não escrevi na época sobre esses dois espetáculos. Peço desculpas porém, mas enfim, tempo tempo mano velho faltou-me. Como a vontade não, chegou aqui meio extemporânea para fazer comentários brevíssimos sobre Velosidade Máxima e Shopping and Fucking.

Velosidade Máxima
Fábio Vidal parece ter levado às últimas consequências a sua pesquisa iniciada com o fabuloso "Seu Bonfim", há seis anos atrás. Construindo uma poética própria, que parte da performance, do teatro essencial, da mímica corporal dramática e compreensão do ator como ponto chave para todo o processo da criação cênica. Ator intérprete, ator diretor/encenador, ator dramaturgo, ator coreógrafo. E no que se refere à Bahia, ator produtor.
A poética criada por Vidal dessa vez se debruçou na obra de Caetano Veloso, leonino de Santo Amaro. Homem fábrica de espelhos para si. Mas também para tantos outros brasis. A partir de um exaustivo trabalho de pesquisa criativa e acadêmica (Velosidade Máxima integra o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia), constituiu-se um espetáculo singular na própria cena teatral soteropolitana, mas também singular como um olhar sobre aquilo que pode se chamar velosidade.
O eu, a música, a poesia, a verborragia, o corpo, o cabelo, a malícia, a poética de Veloso são matéria para Vidal que constrói um verdadeiro acontecimento cênico na Ladeira da Misericórdia. Dentro da proposta estética do working in progress (trabalhando em processo, numa tradução literal), o ator-diretor-dramaturgo-coreógrafo apresenta para o público um espetáculo inacabado e que se constrói a cada dia de apresentação. A partir da construção e sedimentação de um roteiro e elementos, o intérprete se vê livre para a cada dia desmontar e remontar a performance, que está definitivamente aberta.
O trabalho solo de Fábio Vidal esteve aberto a intervenções planejadas de outros atores, performers, bailarinos e seres pensantes sobre arte, delírio, velosidade. Bebendo na estética do sonho de Glauber Rocha, o criador possibilitou que outros também criassem e intervissem dentro de sua obra. Sonhos dentro de sonhos.
Velosidade pode ser então um delírio de janeiro.


Shopping and Fucking

Ok, baby, o texto pode ser americanizado. Tudo pode cheirar a Mc Donalds. Vez em quando há a sensação de que estamos num filme de Tarantino. Ainda que não haja a paisagem de um deserto do Texas ao fundo, aquele longo sedan remete a um posto de gasolina empoeirado da Texaco. Ok, baby, estamos na soterópolis. Provinciana ainda, menos selvagem (será?), com alguma moral e um tanto de tradições.
Porém, nada disso invalida a força da montagem Shopping and Fucking, que esteve em cartaz de março a maio no Teatro Moliére. Com direção de Fernando Guerreiro e texto de Mark Ravenhill, a peça desnovela a história de jovens absolutamente emersos numa sociedade de consumo, trocas capitais e hedonismo. O prazer e o vazio justificam tudo. A ética ou qualquer moral se esfacelam mais rápido que restos de salgadinhos Elma Chips.
As drogas mantém-os vivos. E a civilização é dinheiro.
Guerreiro conseguiu construir um espetáculo extremamente cinematográfico, contudo não se enveredando pelas searas do realismo/naturalismo própriamente. A realidade selvagem e diametralmente blazé da peça se descortina com elementos teatrais bem pontuados, como a iluminação e a sonorização, que remetem a jogos pinball ou mesmo programas de auditório. As moedinhas caem nos cofres e as luzes cegam os olhos. Elemento importante na encenação "cinematográfica" do texto é a natureza das atuações, que ganharam um tom cotidiano e extremamente. As boas interpretações chamam atenção para o elenco, especialmente para Jussilene Santanna, que interpreta com louvor a aspirante a atriz, modelo e vigarista completa Lulu e para Celso Júnior, cruelmente impagável como Brian, o traficante.
Crueldade e uma rigorosa valorização do texto também dão o tom da montagem, que pode causar estranhamento e antipatia para muitos espectadores, por se passar num universo americano. Mas também pode parecer extremamente próxima e contextualizada para os mais abertos. Nada daquilo pode parecer distante. Drogas, sexo, violência, vício, futilidade, consumo, vazio, compras, espetáculo. Isso é estranho para alguém?