terça-feira, novembro 04, 2008

2008 pode ser considerado como um ano dos mais interessantes para o fomento das Artes Cênicas no estado. Apesar da produção ter sido um pouco mais fria, com um menor número de estréias, este vem se configurando como um ano ímpar na circulação de espetáculos e realização de festivais. Ao todo, no estado até o fim do ano somam-se 21 festivais, no quais artistas baianos trocam experiências e acessam a montagens de outros cantos do país, quanto do mundo. Salvador sediou três festivais que movimentaram a cena local: Festival Latino-Americano de Teatro, Festival Lusófano de Teatro e o Festival Internacional de Artes Cênicas, que oportunizaram momentos significativos de troca e acesso a outras dramaturgias. Também foi possível proporcionar que os artistas baianos pudessem mostrar seus trabalhos a públicos diferenciados.
Nesse contexto, é que surge o Festival Internacional de Artes Cênicas, que durante os dias 24 a 31 de outubro reuniu um interessante grupo de espetáculos baianos, nacionais e internacionais, misturando um tanto das principais tendências das artes cênicas na contemporaneidade. Além disso, o evento proporcionou atualização da classe artística ao trazer oficinas com profissionais experientes e grupos envolvidos nos espetáculos em cartaz. Esse caráter de reciclagem pode provocar uma nova respiração na cena teatral na cidade, mas também do estado, que recebe estímulos para criação, encontra pares, se reflete.
Assim, estiveram reunidos em uma semana, espetáculos baianos, brasileiros e de países como França, Portugal, Noruega. Também foi possível, ver aplicada em cena as teorias teatrais de Peter Brook, encenador referência nas artes cênicas do século XX. No palco, foi possível verificar os rumos atuais de um teatro cada vez mais da palavra fragmentada, que cede lugar a outros elementos, especialmente a fisicalização. A contradição, a ironia e o pastiche também dão o tom da cena em trabalhos como O Grande Criador, da Companhia do Chapitô, de Portugal. O que também ocorre em Melodrama, uma das montagens da Cia dos Atores, do Rio de Janeiro, que envereda por reconstruir a atmosfera kistch das novelas e programas de rádio.
Outro dado foi a forma delicada ou bem humorada que os trabalhos participantes tiveram para se afirmar politicamente. O trabalho dos portugueses, além de satirizar passagens bíblicas, faz boas referências aos momento atual, relação com países como EUA e as crises econômicas, de valores e culturas. A temática da homofobia foi tratada de forma sensível em Aqueles Dois, enquanto que a repressão sexual e as questões que afetam o feminino são matéria de Hysteria, um dos grandes destaques do Festival.
Da cena baiana, bons trabalhos deram conta de mostrar o que vem sendo produzido na Soterópolis. A montagem Triste fim de Policarpo Quaresma levou à frente a discussão em torno da brasilidade. Já Deus Danado, um dos trabalhos mais interessantes dos últimos anos, deu conta de discutir a humanidade e suas relações, a partir de um olhar nordestino e precário. O sotaque baiano em Shakespeare é a marca da montagem Sonho de uma noite de verão, do Bando de Teatro Olodum, em momento de franca projeção nacional. Já o grupo Dimenti, um dos mais ativos da cidade, levou à cena sua última obra Batata!, sobre o universo nelsonrodrigueano.
O FIAC também foi ponto de encontros e festas, reunindo a classe artística e o público, em shows que vararam a madrugada, na praça Tereza Batista. No palco, os grupos mais pulsantes da cidade como Lampirônicos, Retrofoguetes, Afro Batá, Juliana Ribeiro e a Quadra de Samba, A Volante do Sargente Bezerra entre outros.
No mais, saldo positivo ao festival, realizado com profissionalismo e oportunizando acesso a cultura, com qualidade e preços populares. Vida longa ao Festival. Boas inspirações para as artes cênicas na Bahia.

Um comentário:

Unknown disse...

Concordo com tudo. Acrescento só uma coisa, que é a advertência que a gente tem que fazer pra gente mesmo, quando sucumbimos à tentação de pensar/dizer: "o festival nos traz um panorama do que está sendo feito.. etc" (não são palavras suas), como se ele nos desse a "oportunidade" de reconhecer "tendências". Um festival SEMPRE é um recorte de seus curadores, e não por acaso esses espetáculos do Fiac, centrados bastante no trabalho do ator e com forte apelo à fisicalidade, foram "curados" por Nelhe e Filipe. São preferências deles, né. Da mesma forma que o Jornal Nacional que a gente assiste não mostra "os fatos", mostra uma visão do editor geral,no caso a serviço do veículo de comunicação em que ele trabalha.

Beijos, que bom que o Festival te inspirou assim. A mim tb!
Jacy