sábado, setembro 30, 2006

O Contêiner: por que a graça?

Há uma coisa no teatro baiano que me inquieta: por que tem que ser engraçado? Por que teatro tem que ser sinônimo de graça, de algum pastiche, de riso frouxo? Por que diretores, atores, criadores do teatro baiano potencializam tanto a graça? Por que ela deve ser bem vinda onde não foi convidada? Ou ao menos onde não deveria ter sido?
Todos esses questionamentos me povoaram ao assistir ao espetáculo O Contêiner, texto contemporâneo do angolano José Mena Abrantes, com direção de Vinício Oliveira, em cartaz até o dia 8 de outubro no Teatro Vila Velha. Por que para falar de um tema delicado como a imigração de africanos, nada benquistos pela comunidade européia, é preciso usar a graça? Por que é preciso o riso onde ele é um adorno desnecessário? Será que na Bahia teatro se confunde com graça gratuita?
A trama de O Contêiner traz à tona uma história extremamente contemporânea: três africanos embarcam clandestinamente num navio de carga para tentar entrar na Europa, em busca de uma vida melhor. Porém, descobertos pelo capitão e marinheiros, os imigrantes são confinados num contêiner (prática recorrente nos navios europeus), perfazendo toda a viagem sem água, alimento ou qualquer mínima condição de sobrevivência. A direção opta por criar um interessante clima claustrofóbico, mantendo os atores representando dentro de um contêiner suspenso por correntes no palco. A opção funciona bem e emprega recursos como o vídeo, que capta as imagens dos personagens dentro da caixa e projeta em televisores dispostos próximos à platéia.
Contudo, aquilo que poderia causar angústia, incômodo ou reflexão pelo confinamento, não consegue se sustentar, pelas cenas resultantes de improvisação que entrecortam o texto original.
As improvisações enviesam o espetáculo para o caminho cômico, à beira do pastiche, forçando uma graça que de maneira alguma se sustenta diante do peso do texto original. Texto esse que recebe tamanhos cortes que parecem pouco justificados diante das improvisações, que enfraquecem a seriedade da temática e do próprio espetáculo. Seios a mostra, um figurino preto plasticamente bonito, mas pouco afinado com a graça que cai como uma bigorna no espetáculo, e vaquinhas para atravessar a fronteira são algumas das esquisitices que costuram o espetáculo, esvaindo qualquer possibilidade de levar à sério aquilo que inicialmente a montagem se propõe. Vale dar o crédito a boa atuação dos três que sustentam a trama original. Mantêm a coerência em suas atuações e desempenham um trabalho com muita dignidade.
Porém, no decorrer, há que se sonhar com o espetáculo que poderia ter sido, mas que perdeu-se numa graça pouco sensata ou frágil.
E mais uma vez pergunto: por que tem que ser engraçado?

6 comentários:

Anônimo disse...

Olá Mônica.

Antes de mais nada, obrigado pela crítica. São poucos os ecos que recebemos do nosso trabalho e catando por aí, achamos você. O teatro baiano precisa muito disso, de retorno de repercussão, de opinião. Foram raros os retornos escritos.

Sem querer me justificar, mas dialogando com a sua posição, como intérprete-criador, como fomos todos nesse processo, acho que a graça surgiu para dar um pouco de leveza ao espetáculo e para experimentar o contraste gritante entre o humor escrachado e o drama pesado. Morríamos de medo que o espetáculo ficasse um porre.

É uma proposta. Uns gostaram mais disso, outros mais daquilo, raríssimos foram os que gostaram de tudo. O acerto para nós é tão importante quanto o erro, neste momento. Estamos buscando uma linguagem e tudo isso faz parte.

Um abraço.

Anônimo disse...

Olá Mônica.
Gostei muitíssimo de ler sua crítica sobre o espetáculo, pois vi meus pensamentos perfeitamente em suas palavras. Senti o mesmo com o espetáculo.
Boa!
Um abraço.

Anônimo disse...

Esse negócio da busca pelo riso da platéia é uma besteira. O tiro pode sair pela culatra. O importante é identificar que tipo de emoção aquele texto, aqueles atores, o espetáculo que está se criando pode sucitar no público. Se for o riso, que seja o riso. Mas tentar fazer graça a qualquer custo é bobagem. Primeiro porque não fica engraçado, segundo porque se perde a chance de arrancar uma emoção sincera de uma platéia que voltará para casa sem ter experimentado nada

Anônimo disse...

Bela tarda mas nao falha: obrigada pela critica, amiga! Sempre bom `ouvir` sua voz inteligente e analitica sobre alguma coisa que eu faço.

Obrigada.


Lembremos ainda que vc tem um compromisso em re-assistir o espetaculo, assim que ele voltar a cartaz, por motivos que, bem..., por motivos que nos sabemos porque. rsrsrs

Bela

Anônimo disse...

Eu assistí e gostei da peça, acho que a comicidade fora utilizada para dar mais leveza ao trágico + é realmente perigoso usar esse caminho. Acredito que o realismo esteja acabando a fantasia brasileira.

apareça no meu singelo blog...por favor!
bjs e bohummmmmmmmmm fds

marcelo

Anônimo disse...

Cheguei aqui através do blog do Teatro Vila Velha, e gostei do que foi postado aqui. Esse questionamento é pertinente porque o teatro carioca também envereda por esses caminhos.
Parabens pelo blog.