Há uns dias atrás recebi de uma amiga um texto falando que todo mundo merecia ver O Sapato do Meu Tio. Não pude ver no dia que planejei e fui hoje por obra do acaso. Eu mereci que meu compromisso fosse cancelado. Mereci e fui ver O Sapato do Meu Tio.
E logo ao ver a carroça em cena, foi como se alguma lembrança boa me fosse acionada. Lembrança de palco, de gostar de estar nele, lembrança de nariz de palhaço, correria, riso e brincadeira. As lembranças meio que vão e vem durante todo o espetáculo, mas vão cedendo lugar a uma profunda empatia.
Empatia com os dois atores. Um Augusto menino, sensível e dedicado ao Branco, o Tio, palhaço experiente, dado a mordomias, olhar perdido e uma rotina severa para com o sobrinho. Primeiro incômodo com o tio, depois um encantamento, por perceber que por trás do mau humor havia um engenhoso projeto: transformar o garoto, num palhaço.
E este é o encanto, este rito de passagem. Esse crescimento, essa inocência do menino que se esvai. A dor de crescer, de perder a inocência, de ganhar agressividade. De se tornar esperto. Tantas provas, algumas quedas, mas o riso frouxo e a leveza de quem tem a glória escondida atrás de um nariz vermelho.
Dois atores primorosos, carinhosos e afinados (o olhar ingênuo que Alexandre Casali imprime comove e desperta carinho, já o vigor de Lúcio Tranchesi, vai dando lugar a uma doçura velada). Uma direção que demonstra intimidade com o universo do palhaço, do circo (João Lima). Figurino funcional e sempre magicamente clown de Rino Carvalho. O cenário funcional e também mágico, sempre escondendo alguma surpresa, algum detalhe. Algum signo perfeito do mundo do circo.
Mundo que a peça nos leva sem magia. Sem magia porque revela a realidade do chão duro, do sol quente, da exploração, da vaidade, da solidão por detrás do aplauso.
Um espetáculo rico, que fala não só de circulo. Mas das nossas relações. E como andamos em círculo, como nos repetimos, comos escondemos tanta coisa. Como o sorriso é fácil quando vem de um trabalho sincero.
E concordo, todos merecem se dar ao prazer de receber o carinho delicado que é assistir O Sapato do Meu Tio.
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